sábado, 9 de março de 2019



09 DE MARÇO DE 2019
MARTHA MEDEIROS

O feminicídio e a solidão

Afora alguns poucos que acreditam que discutir o feminicídio é mimimi, a maioria da população reconhece a estatística brutal constatada diariamente: muitas mulheres morrem pelas mãos de seus namorados, maridos e amantes. O mundo evoluiu e ainda assim os homens (os ignorantes, óbvio) ainda se consideram donos de suas parceiras, e quando a relação se desfaz, eles se desestabilizam e as matam, cumprindo a lógica doentia dos machistas: "Se não será minha, não será de mais ninguém". Bang.

Diante desta realidade, é natural que haja uma grita geral buscando conscientização e punição. Porém, não podemos esperar que o machismo retroceda apenas porque fazemos campanha pra isso - o processo é lento, ainda mais em países como o nosso, com baixa escolaridade e carente de uma visão social moderna e progressista.

Quem pode nos ajudar a apressar a chegada do novo mundo? Nós mesmas.

Ainda persiste no inconsciente coletivo (lembra dele?) que mulher solteira não tem valor, ou tem menos do que uma mulher casada. Podemos criar filhos sozinhas, sustentar a casa sozinhas, mas se não tivermos uma relação amorosa, somos vistas como seres mutilados. Pior: não são apenas os homens que veem a mulher sozinha como uma pessoa inferior e mal afortunada. As próprias mulheres enxergam as outras desse modo. 

Estamos sempre tentando arranjar um pretendente para uma amiga avulsa - o que não deixa de ser um gesto carinhoso, já que viver a dois é mesmo um luxo. Mas não se trata apenas de generosidade, há também um secreto incômodo de conviver com uma pessoa que é ímpar, e não par. O par é sinônimo de estabilidade, já o ímpar é sempre um ponto de interrogação. Como consegue viver sem apoio, sem associar-se, sem compartilhar? Como consegue se satisfazer com rolos esporádicos e sexo casual? De onde essa força estranha? Preferimos acreditar no romantismo que a bossa nova consagrou como verdade: ninguém pode ser feliz sozinho.

Sorry. Pode ser feliz, sim.

A visão apocalíptica e catastrófica da solidão foi extinguida, mas não a ponto de libertar as mulheres deste destino obrigatório: ter uma relação a fim de ser valorizada. E aqui voltamos ao assunto feminicídio. Os primeiros meses de namoro são só flores, beijos e apelidinhos. Então a intimidade aumenta e a gente percebe a verdadeira natureza do nosso mozão. 

Se ele for violento, vai dar bandeira. Vai pegar no braço com força demais, vão rolar uns empurrões, ele vai ser agressivo e depois dará a desculpa de que estava de pileque. Hora de fazer uma revisão naquela letra de música: ninguém pode ser feliz vivendo ameaçada, isso sim. Tchau, brutamontes. Sozinha de novo, lá vou eu.

O feminicídio vai diminuir quando os homens forem menos machistas, óbvio. Mas também quando as mulheres perderem o medo da opinião desta sociedade fixada em formar casais a qualquer custo.

MARTHA MEDEIROS

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