sábado, 23 de março de 2019


23 DE MARÇO DE 2019
PAULO GERMANO

CHEGA DE CANTAR "MACACO"


Já prevejo a reação, é sempre a mesma. Dirigentes vão perguntar a quem interessa escrever sobre isso?, como se eu, gremista, quisesse desestabilizar meu próprio time. Torcedores vão me perseguir nas redes sociais, descobrir meu WhatsApp, fazer campanha para a RBS me demitir, ameaçar meus familiares, talvez descubram até meu endereçoe, se me encontrarem na rua, tentarão me agredir em grupo.A procuradoria do TJD, esperoestar errado, não vai dar a mínima para este assunto outra vez.

Não há exagero algum no parágrafo acima, é exatamente assim que funciona: não basta isentar de culpa quem canta "macaco" no estádio; a praxe é culpar quem acha errado cantar "macaco" no estádio. No Gre-Nal do domingo passado, na Arena, pelo menos três cânticos mencionavam a expressão: um dizia "olha a festa, macaco", o outro garantia que "macaco p*** segue sempre imitando", e o terceiro chamava os colorados de "macacada filha da p***".

A justificativa - como a reação - também é sempre a mesma: não se trata de uma expressão racista, dizem. Seria só uma provocação à mania colorada de imitar tudo o que o Grêmio faz. Outra desculpa é que os torcedores do Inter, nos tempos dos Eucaliptos, subiam em árvores no entorno do estádio para assistir às partidas feito macacos. Donde, o apelido.

Nunca vi um único documento, uma foto que seja, comprovando nada disso, mas, tudo bem, sigam cantando, sigam achando que a Arena é o único lugar do planeta onde "macaco" não é uma expressão racista, paciência, não posso impedi-los, mas sejam homens para aguentar críticas. Dezenas de milhares de gremistas, como eu, entendem que é detestável buscar explicações para barbaridades como "chora, macaco imundo". Por que seríamos contra o Grêmio ao defendermos um Grêmio melhor?

É bom deixar claro: sei que o clube, internamente, reprova a expressão "macaco". Não é de hoje que a direção promove campanhas meritórias, sempre lembrando que "somos todos azuis, pretos e brancos", mas a cantoria aludindo aos primatas é um tabu, ninguém toca no assunto. Sei também que a imensa maioria dos gremistas tem nojo do racismo - inclusive os que cantam "macaco" no estádio.

Porque essa turma não acha racista chamar um colorado de macaco. Eles concordam que é racista chamar um jogador de macaco, chamar o juiz de macaco, chamar qualquer outro de macaco, mas eles honestamente e genuinamente entendem que o sentido do insulto muda quando o alvo é um torcedor do Inter. Eu entendo, só que não interessa.

Essa é uma expressão estigmatizada mundialmente: em qualquer lugar ela carrega a violência do racismo. Como exigir que somente aqui, a partir de argumentos duvidosos, todos interpretem o insulto da forma como o insultador deseja? Não dá.

A torcida do Grêmio é a mais empolgante do país. Mudou a forma de torcer no Brasil. Chamou atenção do mundo com a criatividade das músicas e uma cantoria incansável. Não há gremista que não sinta orgulho disso, mas por que ainda precisamos carregar esse peso?

PAULO GERMANO

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