segunda-feira, 25 de março de 2019


16/02/2019 - 09h00min - Martha Medeiros
Atualizada em 16/02/2019 - 09h00min

 "Hoje em dia, morrer de velhice e de falência múltipla dos órgãos é que não é natural"

E como o próprio nome diz (morte natural), a natureza tem feito sua parte, provocando óbitos por deslizamentos, queimadas, tsunamis, que nada mais são do que revide às agressões que temos cometido contra o meio ambiente.

Diálogo entre duas mulheres, entreouvido numa sala de espera: "De que ela morreu?" Respondeu a outra: "De causa natural". Fiquei pensando: então a coitada deve ter morrido de latrocínio.  

Hoje em dia, morrer de causa natural é morrer por ter cruzado com um garoto viciado ou um brutamontes colérico que não controla seus atos e atira. É morrer da facilidade com que delinquentes portam armas. É morrer de bala perdida. Uma morte natural, naturalíssima, está todos os dias nos jornais.  

Dão entrada em hospitais centenas de pessoas com infecções, tumores, edemas, intoxicações, mas elas não morrem dessas doenças. Antes, morrem de falta de leito. De falta de médico. O natural é que morram de falta de atendimento.  

Há quem esteja morrendo de lipoaspiração: a paciente escolhe uma clínica clandestina, que não possui o equipamento cirúrgico necessário, e morre se for alérgica a algum medicamento ou se tiver uma parada cardíaca durante a anestesia. Morre de falta de socorro adequado. 

Tanto quanto de raios, morre-se também de sequestro-relâmpago. Dependendo do humor dos sequestradores, você volta para casa ou não. 

Hoje em dia, morre-se de ganância, de falta de alvarás, de desprezo pelas regras de segurança. Morre-se de falta de policiamento nas ruas. Morre-se de político corrupto, que desvia verbas públicas em prol de interesses particulares. Morrer de velhice e de falência múltipla dos órgãos é que não é natural."
Morre-se de ganância, de falta de alvarás, de desprezo pelas regras de segurança, de material de quinta categoria, de prazos de validade vencidos. 

Morre-se de falta de policiamento nas ruas, morre-se de invisibilidade: não vemos ninguém quando precisamos e ninguém nos vê também.  

Morre-se de calçada irregular, de estrada esburacada, de rodovia mal sinalizada, de obra sucateada. A gente se mata para pagar os impostos e eles continuam não sendo reaplicados em nós, e, sim, no sustento de mordomias parlamentares. 

Morre-se de político corrupto, que desvia verbas públicas em prol de interesses particulares, e também de político covarde, que não enfrenta o esquemão contaminado de seus pares, que se candidatou apenas por vaidade e pelo poder, que não se compromete com a população e que jamais será respeitado enquanto não se dedicar ao bem das pessoas que representa.  

Morre-se de trote. Escolha a modalidade mais natural: o trote na universidade, praticado por estudantes bestiais, ou o trote telefônico, aquele que mata do coração os que não detectam o fajuto golpe do sequestro. 

E como o próprio nome diz (morte natural), a natureza tem feito sua parte, provocando óbitos por deslizamentos, queimadas, tsunamis, que nada mais são do que revide às agressões que temos cometido contra o meio ambiente. Fazer esse mea culpa causa depressão, que, ironicamente, pode matar também. Liquidamos com o planeta e conosco mesmo. 

Morrer de velhice e de falência múltipla dos órgãos é que não é natural - passou a ser um luxo para poucos. 

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