20 DE MARÇO DE 2019
NÍLSON SOUZA
Dias felizes
Depois que o Zé de Abreu autoproclamou-se (não é redundante isso, professor Moreno?) presidente do Brasil e a Regina Duarte pediu o fechamento do Supremo Tribunal Federal, sinto-me no direito de pleitear ao menos uma ponta na próxima novela das nove da Globo, que, em irônico contraponto aos tempos turbulentos em que vivemos, se chamaria Dias Felizes, mas já mudou para A Dona do Pedaço. E já vou apresentando meu currículo. Como a maioria dos cidadãos desta nação, tenho certa experiência como ator: de quatro em quatro anos, finjo que acredito nas promessas dos políticos e interpreto o papel de eleitor como se estivesse realmente decidindo o futuro do país. Sou tão convincente nessa encenação compulsória, que chego a ficar frustrado de verdade quando os eleitos mudam o discurso, trocam o dito pelo não dito e usam o poder conquistado em causa própria ou de seus familiares e amigos.
Não me considero único nesses pré-requisitos para a simulação. Outros filhos desta pátria mãe gentil também são assim, crentes e descrentes ao mesmo tempo. Parafraseando Fernando Pessoa, ouso dizer que o brasileiro é mesmo um fingidor - finge tão completamente, que parece acreditar até em quem mente descarada e sistematicamente. Veja-se, por exemplo, o caso dos candidatos que registram em cartório suas promessas - de que cumprirão o mandato até o fim, de que não tentarão a reeleição ou de que não trocarão cargos por apoio político. Todo ano eleitoral tem disso. O eleitor, ressabiado, diz: "Arrã!". E vota no sujeito.
Não sei o que Walcyr Carrasco está preparando para a trama que substituirá O Sétimo Guardião. Mas, se tiver algum personagem tipo Velhinho de Taubaté, concorro à vaga.
Mais sobre velhinhos.
A noite de sábado deve ter sido agitada para os besouros. A manhã de domingo já ia adiantada e um daqueles bichinhos semelhantes a um hipopótamo em miniatura ainda se arrastava penosamente pelo calçadão de Ipanema, arriscando-se a ser esmagado pelos caminhantes apressados ou distraídos com o mate. Avistou-o uma menininha de cerca de cinco anos, que passeava na companhia de seu jovem pai. Eu caminhava em sentido contrário, mas passei pelo local exatamente no momento em que o homem explicava à criança:
- É um escaravelho! A menininha lançou um olhar arregalado para a minha barba branca e questionou o pai:
- Um cara velho?
Nem ouvi como o homem desfez o mal-entendido, mas não pude deixar de sorrir pelos próximos 200 metros de caminhada, lembrando também do episódio familiar em que um dos meus sobrinhos, na época com cinco ou seis anos, postou-se diante de mim, observou bem o meu rosto barbudo e me fulminou com uma daquelas indagações certeiras de criança:
- Tu não tem cabelo em cima?
Sinceridade, espontaneidade, descobertas, espanto, criatividade! A infância, quando cercada de amor e proteção, é um calendário de dias felizes. E deveria ser a inspiração permanente dos adultos, para evitar que se tornem dissimulados e autoritários.
NÍLSON SOUZA
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