Em novo livro, Lobão ataca Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Lobão em seu estúdio caseiro, no bairro do Sumaré |
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Lobão lança agora seu quarto livro, "Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 pelo Rock". Seu perfil mordaz, tagarela e colecionador de inimigos faz qualquer leitor potencial pensar em páginas e páginas do autor espinafrando colegas da música.
Por essa ótica, o volume entrega o que promete. Em seu livro mais engraçado e mais bem escrito, Lobão parte de 1976 e vai até o início da década de 1990.
Dedica um capítulo a cada ano, destacando na abertura o que de mais relevante aconteceu no mundo e nas artes naquela temporada. Depois, vai montando a história a partir de sua visão, que vê os grandes nomes estabelecidos na MPB apreensivos com a ascensão do rock nacional.
"Os diretores das gravadores vinham do tempo da jovem guarda. Davam orçamentos milionários aos tais grandes nomes, davam Mercedes de presente para eles, que tinham US$ 2 milhões para fazer um disco, e a gente gravava com US$ 50 mil", diz à Folha, no estúdio que montou em sua casa, em São Paulo.
Se há humor e pertinência em suas análises musicais, muitos podem implicar com sua obstinação em dedicar tanto espaço para criticar com agressividade a produção de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, além do contemporâneo Herbert Vianna, dos Paralamas, em cujo trabalho ele detecta cópias de suas criações. Com o livro ainda para chegar às livrarias, nenhum dos nomes criticados quis comentar a obra.
AUTOCRÍTICA
"Estou emotivamente desapegado do que estou criticando, não estou querendo pegar no pé de ninguém. Sou crítico comigo também. Não tem um disco que eu fiz nos anos 1980 que preste." "Não falo com o Bernardo Vilhena [seu parceiro nos anos 1980] há 20 anos, mas ele tem seu valor nessa história. O Herbert, bem, tivemos essa rixa, é uma bosta, mas ele fez coisas bacanas."
Lobão afirma querer entender como funciona "a intimidação desses caras, a razão de serem inexpugnáveis, formarem um Olimpo inatacável da música brasileira".
Sobra para Roberto Carlos. "O Roberto fazendo o milionésimo especial da Globo! Aquilo é uma merda, uma imoralidade. Se algo assim existisse enquanto outras manifestações musicais corressem soltas, tudo bem, mas isso não acontece. Intimidam o que é diferente!"
Nos relatos, surgem muitas passagens com nomes do rock brasileiro que já morreram, como Julio Barroso, Cazuza e Renato Russo. Ele diz achar graça de quem aponta uma estratégia de "falar pelos mortos", já que não estão mais aqui para contestá-lo.
"Eu sou sócio fundador disso tudo, participei de coisas seminais nesse rock. Com Lulu, Ritchie, Marina, fiz a Blitz... Pô, não preciso de ninguém mais para contar essa história. É a minha história."
PERSONAGEM
Esse protagonismo de Lobão muda um pouco a orientação do livro após seus capítulos iniciais, que contemplam com críticas ácidas uma cena prévia dos anos 1970 que influenciaria o showbizz na década seguinte.
A partir daí, a dissertação das primeiras páginas passa a dividir espaço com o relato autobiográfico. Assim, o livro se torna alguma vezes redundante e, mais vezes, diga-se, complementar a sua estreia nas letras, "50 Anos a Mil", de 2010.
"Os livros sobre o rock dos anos 1980 são feitos em função de Titãs, Paralamas e Legião. Quis mostrar que tem história além disso, e que sem essa história eles não existiriam. O Renato [Russo] me disse várias vezes que, se não existisse a Blitz, a Legião nem teria vindo ao Rio gravar."
Voltando a falar das gerações anteriores, ele ataca o programa que Caetano e Chico apresentaram em 1986 na Globo. Segundo Lobão, em plena efervescência do rock, o programa era acadêmico, antiquado. Em nove edições, exibiu apenas dois roqueiros: Cazuza e Paulo Ricardo.
"Aí Cazuza cantou Nelson Cavaquinho, e o pobre Paulo Ricardo cantou 'London, London'... do Caetano! Quer dizer, para merecer um lugar na academia, no templo do samba luxuoso, um músico de rock tinha de fazer MPB."
Lobão acredita que sobreviveu a uma vontade que muitos tinham de "enterrá-lo". "Fiquei fora do filme do Cazuza, e era o melhor amigo dele! Mas ninguém reclamou. Quando fizeram homenagem a ele no Rock in Rio, Paulo Miklos e Maria Gadú cantaram 'Vida Louca Vida' como se fosse dele, mas é minha!"
BATE E ASSOPRA
O livro tem surpresas. Se a cada ano Lobão bate forte na produção de Caetano, Gil e Chico no período, em vários momentos elogia canções do repertório deles, mesmo detonando a sonoridade e a produção. O trecho em que fala do álbum "Uns", lançado por Caetano em 1983, é exemplar esmerado de crítica musical.
"Eu falo bem daquilo que acho relevante, até dessas pessoas com quem tenho confrontos. Do mesmo modo, eu não alivio para meus amigos mais queridos. Sou crítico com o Julio Barroso, com a Marina, gente que eu amei." A vontade de criticar deve seguir no livro programado para o ano que vem, espécie de versão mais abrangente do guia recém-lançado.
"Vou de Chiquinha Gonzaga à Lei Rouanet. É uma trama muito maior que engloba a tropicália e a MPB. Vou falar do sertanejo universitário que, sei por fontes lá de dentro, é lavagem de dinheiro de ruralistas do Congresso."
Embora afirme enxergar bons artistas na cena atual, como Cachorro Grande e Far From Alaska, ele abomina nomes dominantes na nova geração, como Wesley Safadão e Anitta. "Wesley Safadão é uma deformidade. Rola uma junção de sertanejo, funk e pagode, o que há de pior. A coreografia é simiesca!"
VOLTA AO ESTÚDIO
Surpreso com a qualidade que encontrou na produção do rock dos anos 1980, fez questão de rechear o livro com letras de canções da época. E pretende regravar várias dessas músicas.
"Estou trabalhando em 'Virgem', da Marina. Vou fazer música do Lulu, 'Menina Veneno', 'Toda Forma de Poder', dos Engenheiros, coisas dos Titãs e da Legião. Quero cantar 'Lanterna dos Afogados', dos Paralamas. Quero fazer um show. Depois quem sabe um disco, se todo mundo permitir as regravações."
Destacada voz pelo impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais, Lobão revela certo desalento para entrar no assunto política.
"O Temer está sendo golpeado. Mesmo se fez falcatrua, se está todo ligado à rede de corrupção, respeitem a interinidade. A economia pela primeira vez tem inflação negativa, depois de 11 anos. Então deixem o cara terminar. Não estou torcendo por ninguém, há o interesse da nação."
Ele se diz desanimado para acompanhar as investigações da Lava Jato. "Eu estou sem saco. Dez anos depois do mensalão, o que aconteceu?"
TIRO AO ALVO
Veja comentários de Lobão sobre outros artistas:
Caetano Veloso
"... comete o álbum 'Estrangeiro'! Com aqueles barroquismos e aliterações tediosos, aquela pretensão de vanguarda mofada, enfim, o disco é uma verdadeira porcaria."
Chico Buarque
"... Chico também se especializaria em psicografar os dilemas e dramas femininos da mulher brasileira balzaquiana carente de classe média alta"
Gilberto Gil
"No álbum 'Realce', de Gil, teríamos um trailer dos horrores que haveriam de ocorrer nos anos 1980 e suas tenebrosas produções musicais."
Maria Bethânia
"Uma das aberrações artísticas insuportáveis. (...) faz parte daquele fenômeno típico, quando alguém, por ser esquisito, torna-se miseravelmente confundido com genial."
Rita Lee
"...marchinhas bem distantes daquele rock elegante e glamoroso (...) transformando a impávida Rita Lee numa espécie esmaecida de Lamartine Babo protopunk."
Roberto Carlos
"Parecia que Roberto não queria mais saber de nada, além de viver numa bolha de conforto, numa ficção de verdade, habitando assim seu reino de porra nenhuma..."
GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DOS ANOS 80 PELO ROCK
AUTOR Lobão
EDITORA Leya
QUANTO R$ 59,90 (496 págs.)
LANÇAMENTO quinta (13), às 19h30, no teatro Unibes Cultural, r. Oscar Freire, 2.500
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