11 de julho de 2017 | N° 18894
CARPINEJAR
As mãos macias de meus pais
Enquanto vejo as mãos de minha mãe livres na mesa, gesticulando com ênfase italiana e passional, eu lembro que nem sempre foi fácil encaixar os meus dedos em seus dedos. Na infância, éramos muitos filhos. E na hora de passear tínhamos que brigar para andar de mãos dadas com os pais. Quatro mãos concorridas a tapas pelos irmãos.
Uma das crianças habitualmente circulava solta, esperando a sua vez de ser eleita para o contato. E a mãe oferecia, então, a mão invisível do grito:
– Anda mais rápido!
Ela espichava o olhar para não extraviar uma das crias da ninhada. Imagino o quanto mãe e pai sofriam para nos levar para a rua e controlar as brincadeiras e as frequentes distrações. O quanto penavam para convencer a turma a atravessar na faixa de segurança e nos fixar no rumo certo.
Um carretel de berros e alertas mantendo o bando unido nas caminhadas pelo centro de Porto Alegre. Um carrossel de preocupação e ternura, para ninguém se perder e ficar para trás. Um circo de loja a loja, de restaurante a restaurante.
Não facilitávamos os seus cuidados: mexíamos em pedrinhas e flores nos canteiros, parávamos para colher frutas, encarávamos as vitrines pelos sonhos dos reflexos. – Não mexa aí!
Os filhos que se mantinham pendurados nos cabides dos braços não eram o problema. O medo se voltava para o avulso, o que andava próximo e perigosamente independente, por absoluta falta de mãos.
E eu me sentia o filho menos querido quando terminava sendo o escolhido a perambular a sós. Nem queria a mãozinha do irmão, que se equiparava a uma esmola. Não admitia compaixão: desejava tudo ou nada. E eu me sentia o filho dileto e mais amado quando chamado para fazer a frente de combate. O sorriso de satisfação e orgulho vinha fácil e rápido. Óbvio que provocava a ovelha desgarrada com a lã crespa de minha felicidade.
Disputávamos a atenção como quem trava duelo de garfos pelo último bolinho de chuva na bandeja.
As andanças desesperadas da meninice influenciaram os meus passos. Sou ansioso para chegar a algum lugar, mesmo quando me encontro com folga e adiantado. A ansiedade obedece ainda ecos dos comandos materno e paterno.
Hoje, os pais, velhos, já separados e morando cada um em seu apartamento, estão com as mãos disponíveis. Mas os irmãos esqueceram a avidez da concorrência. Não mais se angustiam pelo privilégio. Talvez tenham que reparar, como eu agora, que a dinâmica familiar se inverteu. Eles é que precisam de nós, não mais nós deles.
Sou eu que devo levá-los a passear. E vê a minha sorte adulta, bem maior do que naquele tempo. Eu possuo exatamente um par de mãos para não deixar nenhum deles sozinho neste mundão de fragilidades.
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