Empoderamento feminino é clichê constrangedor, diz Washington Olivetto
Marcelo Tabach/Divulgação | ||
Washington Olivetto diz que interação com o público precisa de um limite: "principal função do consumidor é consumir" |
Publicitário consagrado, que dirige uma das agências mais importantes do país, diz que sociedade cria expressões que são 'primas-irmãs do baixo nível intelectual' e que policiar conteúdo que possa afetar minorias é 'censura disfarçada'.
"Pensar fora da caixa", "quebrar paradigmas", "desconstruir" e "empoderamento feminino". Para o publicitário Washington Olivetto, todas essas expressões ocupam a mesma categoria: "clichês constrangedores" criados, de tempos em tempos, pela publicidade —e pela sociedade.
"São todos primos-irmãos de um baixo nível intelectual, do 'beijo no seu coração'. A gente tem que fugir desses clichês."
Presidente da agência W/McCann, eleito duas vezes "Publicitário do Século" pela Associação Latino-Americana de Agências de Publicidade e ganhador de mais de 50 Leões no Festival de Publicidade de Cannes, o responsável por campanhas como Garoto Bombril vê sua área mais pressionada pelos consumidores e pelo politicamente correto, "que muitas vezes é bem-educado, mas é chato".
Reprodução | ||
Propaganda do Garoto Bombril já tinha elementos de empoderamento feminino, diz Olivetto |
Em entrevista à BBC Brasil, Olivetto, de 65 anos, conta como a maior participação do público transformou o monólogo da publicidade em diálogo, mas afirma que a interação tem limite.
"O consumidor pode e deve dar palpite, mas a principal função dele é consumir. Quero saber da opinião dele? Claro! Mas se a opinião dele for estapafúrdia e mais cinco estapafúrdios quiserem [o mesmo] não vou abrir mão das convicções da boa persuasão."
Ele também explica por que "Porsche é melhor do que mulher que, diga-se de passagem, é excelente". Mas para descobrir os motivos é preciso ler a entrevista até o fim.
Veja abaixo os principais trechos da conversa:
BBC Brasil - A publicidade adotou temas que antes eram exclusivos de movimentos sociais, como diversidade sexual e o feminismo. O que acha dessa tendência?
Washington Olivetto - A publicidade, seja quando começou, seja hoje, tem uma característica fundamental: a presença de uma grande ideia. É a ideia que provoca aquele efeito de 'como não pensei nisso antes', e ela é pertinente. É algo que tem a ver com o produto e com seu consumidor. Não é uma grande ideia algo que seja simplesmente sensacionalista ou oportunista.
Dentro desse critério, tudo o que está na vida pode estar na publicidade, desde que seja pertinente. Tem música na vida? Tem sexo? Pode ter [na publicidade].
Ciclicamente, mesmo antes desses movimentos que acontecem hoje, a melhor publicidade sempre foi aquela que soube perceber isso.
Quando fiz o Garoto Bombril, em 1978, tinha detectado que as mulheres estavam cansadas de serem tratadas como idiotas pela propaganda dos produtos de limpeza. E que a presença de um homem seria surpreendente. Se ele fosse doce e delicado, melhor ainda.
Como o Woody Allen? Em outras entrevistas, você disse que o estilo dele estava em alta na época.
As mulheres estavam achando mais interessante a inteligência do Woody Allen do que os músculos do John Wayne.
Nos últimos anos, aconteceram outras coisas, incluindo duas que considero muito ruins: surgiu fortemente a presença do politicamente correto, que muitas vezes é bem-educado, mas é chato; e a detecção do politicamente incorreto, que às vezes é engraçado e mal-educado.
No meio disso, tem um negócio que batizei de politicamente saudável, que são ideias que tenham irreverência, senso de humor, mas respeitem a inteligência das pessoas.
A publicidade no Brasil, por exemplo, durante um grande tempo desconheceu a presença do negro —temos tantos negros no país e poucos na publicidade. Nos últimos tempos, uma pressão dos movimentos sociais fez com que a publicidade participasse de determinadas causas. Isso pode ser feito de maneira oportuna ou oportunista, essa é a grande questão.
Tivemos uma experiência interessante no ano passado, que lutei para que não ficasse oportunista e acabou muito oportuna. Minha diretora de arte do Rio de Janeiro, que atende a L'Oréal, descobriu uma transgênera, fez um comercial dela com sua primeira carteira de identidade no dia internacional da mulher. Falei 'Não pode acabar nisso. Não pode ser um comercial que ganhe um prêmio, tem que virar uma coisa grande'. Ela virou a primeira porta-voz mundial transgênera da L'Oréal, virou capa da Vogue francesa, enfim, se tornou um fato verdadeiro.
Hoje é mais oportunista do que oportuno?
Sempre será assim. Em causas sociais, a maior parte delas contém um componente de oportunismo, infelizmente.
Há alguns anos, você deu a declaração de que o politicamente correto estava matando a publicidade. Ainda pensa isso?
Sim, porque principalmente o pessoal mais verdinho não cogita que tem o politicamente saudável no meio, então elimina qualquer ideia que tenha uma conotação de irreverência.
Anos atrás fizemos um comercial do (protetor solar) Coppertone, mostrando um cara que só usava Coppertone. Ele estava com a mulher na praia e ela tinha esquecido de comprar o protetor. De repente, vinha um gordo, muito gordo, passando Coppertone no corpo. (O homem) saia correndo, gritando 'Alfredo', abraçava (o homem gordo) e se esfregava nele. E, na verdade, eles não se conheciam.
Era só uma adorável brincadeira. Mas se a gente fosse pensar 'ah, mas os gordos do Brasil vão ficar chateados, vamos fazer com um magro', ia ficar sem graça.
Hoje essa capacidade da publicidade de aderir a causas está vivendo um momento modal. Está na moda, depois tem outra.
Hoje, muitas editoras têm um personagem chamado leitor sensível. Sabe o que é isso? É um cara para ler os livros e detectar se tem algum trecho que vai dar problema com uma minoria. O leitor sensível é um censor disfarçado.
Você acha que a publicidade perde ou ganha com a maior interação do público pelas redes sociais?
A relação sempre foi de monólogo e nesses anos virou mais de diálogo, mas evidentemente alguém tem que liderar essa parada. Até porque eu, como publicidade, sou intromissão. Você não comprou jornal para ver meu anúncio, você quer a notícia. O mínimo que o intrometido tem que fazer é ser bem-educado. Isso é sedutor.
No fundo, muita coisa não mudou. Olha, 99,9% das mulheres no mundo gostariam de namorar com um homem bonito, inteligente, charmoso, rico, simpático, bem humorado e bom de cama. Agora, se um rapaz convidar uma moça para jantar e falar 'você já reparou como eu sou bonito, rico, charmoso?', ela vai responder 'na verdade, você é um babaca'. Se ele, sem dizer nada disso, conseguir passar tudo isso, ela vai se encantar. É exatamente isso que faz a boa publicidade.
Publicidade não vende, cria predisposição de compra. Quem vende é o dono da marca. Para criar predisposição você tem que ser sedutor.
Não mudou o conteúdo, mas a forma como ele é apresentado? A abordagem da publicidade precisa ser mais sutil?
Não, acho que cada vez mais a honestidade é uma ferramenta de venda fabulosa. Cada vez mais a sedução é eficiente. E não mudou a coisa de que você precisa ter uma grande ideia.
Outra coisa insuportável que a publicidade cria ciclicamente, que a sociedade cria, são clichês constrangedores do tipo "pensar fora da caixa", "quebrar paradigmas", "desconstruir", agora o "empoderamento feminino". Que são todos primos-irmãos de um baixo nível intelectual, são primos-irmãos do "beijo no seu coração". A gente tem que fugir desses clichês.
As pessoas ciclicamente saem repetindo essas loucuras. Eu brinco aqui, "se alguém falar em quebrar paradigma, vou jogar pela janela. Deixa o coitado do paradigma lá".
]
O empoderamento feminino seria o clichê mais recente?
O empoderamento feminino está participando de qualquer reunião. Empoderamento feminino se pratica, não se prega. Ele já existia na (campanha) Valisere Primeiro Sutiã. Existia no Garoto Bombril.
Na sua opinião, quando se fala sobre empoderamento feminino e não se mostra o que é, a mensagem fica mais pobre?
Exatamente. É que as pessoas não têm a cultura disso. As meninas que falam sobre empoderamento feminino precisariam saber uma história curiosa. No ano em que comecei a trabalhar, existia nos Estados Unidos um cigarro chamado Eve, um cigarro para mulheres. Foi um sucesso.
Anos depois, a Souza Cruz resolveu lançar um cigarro para mulheres chamado Charm. Quem fez a primeira campanha foi o José Zaragoza. Ele fez uma campanha brilhante que dizia 'No Brasil, toda mulher tem Charm'. Tinha um outdoor que tinha desde a Leila Diniz, o tesão do planeta da época, até a Clementina de Jesus, sambista negra maravilhosa. Charm foi lançado e foi um fracasso. Por quê? As mulheres acharam que era um cigarro para mulherzinha. Elas queriam fumar cigarros que nem de homem: empoderamento feminino.
Fui trabalhar na agência e tivemos que mudar a campanha. Ficou: "no Brasil, toda mulher tem Charm, só deixa de fumar se você gostar muito dele", e botamos um homem junto. Salvamos o Charm. Depois pusemos "o importante é ter Charm", que era genérico.
Tem que ter bom senso. Acho que a vida, cada vez mais, é um gesto atrelado ao bom senso.
Mas estamos vivendo um momento de extremos, de polarização. Falta bom senso?
Vai ter cada vez mais (extremismos), desde que não haja lideranças em cada uma das áreas. O consumidor pode e deve dar palpite, mas a principal função dele é consumir. Quero saber da opinião dele? Claro! Mas se a opinião dele for estapafúrdia e mais cinco estapafúrdios quiserem (o mesmo), não vou abrir mão das convicções da boa persuasão.
Você nunca fez campanhas políticas nem se candidatou a cargos públicos. Hoje, vários publicitários e comunicadores estão na política ou demonstram pretensões eleitorais, como João Doria, Luciano Huck e Roberto Justus. O que acha dessa tendência?
São fenômenos individuais. Nunca fiz nenhuma campanha política por atitude, mas acho que se fizesse faria mal, porque sou treinado para tomar decisões profissionais. E as decisões na política são políticas, não me daria bem.
O que vejo hoje é uma ansiedade do quadro social por novidades nessa área e uma necessidade dos partidos tradicionais de dizer que as novidades acontecerão. João Doria está no PSDB e ainda temos uma possibilidade do Luciano Huck, (passa a mensagem) 'a gente está de olhos abertos para o novo'.
Mas a estrutura partidária ainda é a mesma, não?
É, mas (o que acontece) é uma mistura da ansiedade da população com uma necessidade do partido. A questão da política é complicada, a capacidade de fazer acordos. Não me encanto com essa ideia das pessoas estarem se xingando e dois anos depois estarem se beijando.
Em outras entrevistas, você falou do conceito de "ética elástica" na política. É isso?
Ética elástica é muito bom....
Fui fazer uma vez uma palestra para o (sociólogo italiano) Domenico De Masi. O tema de todo seminário era desconstrução: da política, da sociologia, da lógica e a da comunicação, que era minha palestra.
Nessa palestra, contei uma história que preparei (para a ocasião), dizendo que tudo poderia estar na comunicação se tivesse vida inteligente, se fosse feito de forma inteligente.
É uma história aparentemente machista e que, no entanto, poderia ser feita, seria eficiente, encantaria os homens, que seria o público, e não desagradaria as mulheres. É a ideia de um monólogo do 'Por que Porsche é melhor do que mulher que, diga-se de passagem, é excelente'.
O target do Porsche é 100% dos homens. Mas por que Porsche 'é melhor do que mulher que, diga-se de passagem, é excelente'? É como um teorema, há uma comprovação. Por que 2017 está sendo visto como ano da 'revolução psicodélica' na saúde
A primeira prova é que, se você tem um Porsche, que é muito bom, e você tem dinheiro para comprar mais um, você compra, e o Porsche que você já tem não fica aborrecido. Já (se) você tem uma mulher que, diga-se de passagem é excelente, e fica com vontade de ter mais uma mulher, você vai ter um problema. É a primeira prova da superioridade do Porsche.
A segunda prova é mais dramática. O sujeito tem um Porsche e resolve que não quer mais ter aquele Porsche. Ele vende o Porsche e ganha o dinheiro. Já (se) ele tem uma mulher que, diga-se de passagem é excelente, e resolve que não quer mais ter mais aquela mulher, ele perde o dinheiro.
A terceira prova é a mais dramática de todas. Quantos homens você conhece que têm um Porsche? Pouquíssimos. Quantos você conhece que têm mulher? Um monte. No entanto, todos os que têm Porsche têm mulher e nem todos os que têm mulher têm Porsche.
A história é essa e claro que as pessoas riem. Só que uma história dessa você teria que complementar no público feminino. Você faz o quê? Você contou isso nos cinemas, que seria o público do Porsche, e nas revistas femininas você faz o anúncio do Porsche conversível, com uma linda mulher de cabelos esvoaçantes e o título "um homem realmente interessante te dá de presente um secador de cabelos como esse".
Pensando no que as mulheres querem hoje, e falando também como mulher, essa ideia não pode ser vista como ultrapassada?
Isso está calcado num target muito fechado. Você controla isso com a mídia onde você veicula. Porque o Porsche é um produto totalmente segmentado. Você não põe o Porsche na novela das oito. Os consumidores de Porsche você sabe exatamente onde estão.
Mas para uma parte das mulheres esse tipo de propaganda seria inaceitável em qualquer meio, porque você está comparando uma mulher a um Porsche.
Mas aí você tem que cancelar a vida. Se partir desses princípios, você cria um mundo totalmente antisséptico. Vai chegar à conclusão dos caras do "Fahrenheit 451" (romance de Ray Bradbury), que vale a pena queimar os livros.
A única maneira de você criar gente bacana, do bem, é as pessoas terem acesso a diversos tipos de informação e depois elegerem a que preferem. É a mesma (lógica) de quando surgiu o controle remoto. Falavam para mim: 'como vocês vão fazer agora que as pessoas podem mudar de canal?'. Eu respondia 'gente, antes de ter um controle remoto na mão, as pessoas têm na cabeça. Se não querem (ver), desligam a cabeça, não prestam atenção'.
Nenhum comentário:
Postar um comentário