sábado, 22 de julho de 2017

Toda propriedade é do Estado

Aly Song/Folhapress
Pessoas caminham sobre ponte próximo ao distrito financeiro de Pudong, em Xangai, na China
RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1992, não havia metrô em Xangai. Hoje, há 14 linhas e 364 estações, com duas novas linhas em construção.
Na China, estão sendo construídos no momento 3.000 quilômetros de linhas metropolitanas. Também já existem 22 mil quilômetros de trens-bala.
Em Xangai, há 588 quilômetros de metrô. Como forma de comparação, em São Paulo são 78 quilômetros, e, no Rio de Janeiro, apenas 58 quilômetros.
A expansão do sistema de transportes urbanos chinês é espantosa. Isso também vale para toda a infraestrutura no país. É investido cerca de US$ 1 trilhão em construção residencial, com US$ 500 bilhões em empreendimentos comerciais. Por ano!
Claro que nem tudo são flores, e existem mais de 450 milhões de metros quadrados de casas que estão vazias, sem comprador. Também são muitas as cidades-fantasmas -a mais famosa, na região chinesa da Mongólia, se chama Ordos Kangbashi, construída em 2004 com capacidade para mais de 1 milhão de pessoas e que hoje tem cerca de 100 mil habitantes.
Muitos no Brasil sentem inveja desse desenvolvimento rápido, mas esquecem que todo esse crescimento é possível, em parte, pelo fato de que a propriedade privada, na China, quase não existe. No papel, ninguém é dono dos imóveis onde moram (alugados por 99 anos do Estado), assim como os produtores rurais não são donos das suas terras. O Estado detém todas as terras do país, desde a Constituição de 1982.
É claro que, na prática, quem compra imóveis em áreas urbanas imagina que as regras vão mudar ao longo do tempo. Ainda assim, o fato de que a propriedade privada não existe permite aos diferentes níveis de governo passar por cima dos interesses dos moradores para projetos públicos e, muito pior, simplesmente transferir terra para empresas de construção criarem conjuntos residenciais e comerciais.
Por exemplo, em 2006 a multinacional com origem na Suécia Atlas Copco comprou uma unidade industrial da empresa Bolaite. Após alguns meses, o governo de Xangai simplesmente mandou a empresa desocupar a fábrica para a construção de uma nova linha de metrô. Se isso acontece com multinacionais, imagine o que passam as famílias chinesas assentadas em terrenos com potenciais para construção.
Muitas pessoas consideram a China um Estado policial onde as pessoas não têm direitos. Em mais um paradoxo chinês, liberdade é um valor socialista básico, segundo o Partido Comunista chinês.
Mas obviamente a definição de liberdade é bem particular. Na China, há liberdade para protestar, desde que não se faça contra o governo federal. Todo dia há mais de mil protestos pelo país. A pressão popular é constante.
Mas os protestos não são contra o partidão, e sim contra burocratas locais que abusam do seu poder para transferir terras "públicas" para empresários locais, compensando os moradores locais com valores muitas vezes irrisórios. Sobre cada nova linha de metrô jazem os direitos desfeitos de milhares de chineses.
Há sinais de que a China está reintroduzindo direitos privados sobre terras e imóveis.
O Brasil é um dos poucos países emergentes com direitos de propriedade bem definidos. Diferentemente da Argentina e Venezuela, aqui não se pratica nacionalização de empresas. Mesmo depois de confessar corrupção em níveis astronômicos, Joesley Batista continuará mantendo suas ações na JBS e não deve perder nenhum das dezenas de imóveis da família. Ainda há problemas nas áreas rurais, mas em níveis muito menores que no resto do mundo, na média. Mas nada em economia é só bom.
No Brasil, assim como nos EUA, crescem os movimentos Nimby (not in my backyard, ou não na minha vizinhança). Na sua essência, muitas pessoas buscam limitar construções na região onde moram, para não desvalorizar ou perturbar a vizinhança. A construção de uma nova linha de metrô no Rio ou São Paulo, por exemplo, sempre envolve extensas batalhas contra associações de moradores. Quando há exagero nessas preocupações, todo o mundo perde.
O modelo chinês, de passar por cima de comunidades inteiras, traz muitos custos, assim como o excessivo movimento Nimby. Podemos invejar o crescimento chinês, mas devemos nos perguntar: estaríamos dispostos a passar por cima do direito de milhões de pessoas para crescer mais?

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