18 de julho de 2017 | N° 18900
LUÍS AUGUSTO FISCHER
TCHÊ KELBOUSCAS
Um meio ano atrás, ganhei de presente do Lademiro Dors Filho, um entusiasta da cultura, juiz federal em Santana do Livramento, um CD que já na capa me alertou. Ali se via um tipo longilíneo, pilchado, numa paisagem de campo, algum mato, uma casa e horizonte largo. João Marcos Kelbouscas, o artista (e o sujeito da foto, soube depois), De Freio e Pelego na Mão, o título (a foto estampa justamente o sujeito que ficou com os ditos objetos na mão).
O que logo me chamou a atenção foi a combinação entre a figura do gaúcho tradicional e o sobrenome, que não consegui decifrar de onde vem. Sou apreciador de música gauchesca e tenho esse sobrenome germânico que não me permite ilusões de provir daquele antigo mundo da estância e da Fronteira.
Ouvi em seguida e fui fisgado pela força das canções. Sabe quando tudo dá certo? Tudo música gauchesca por assim dizer de raiz (vaneirão, milonga, chamamé, chamarra e polca), executada com ótimas performances, uma gaita pronunciada comandando tudo, tocada pelo mesmo sujeito da foto, que vem a ser o autor de quase tudo, em letra e música.
Tem um lado bravateiro, uma visão relativamente conservadora das coisas da vida e lamentação pela passagem do tempo, assim como o vocabulário marcado e o uso de frequentes hipérboles, como costuma ocorrer com essa tradição artística (aqui tudo isso compõe organicamente letras e músicas). Mas há coisas realmente raras.
O personagem-narrador das canções, por exemplo, se apresenta como magricela e trabalhador como uma mula, mas insubordinado como cavalo mal-domado, numa mistura de bom humor, autoironia, alto astral e valorização da ética do trabalho, a qual se aproxima mais do mundo original do sobrenome do artista, da Europa central provavelmente, do que da tradição local. Da mesma forma, a mulher aqui ganha retrato muito menos machista do que em geral se vê.
O personagem-narrador das canções, por exemplo, se apresenta como magricela e trabalhador como uma mula, mas insubordinado como cavalo mal-domado, numa mistura de bom humor, autoironia, alto astral e valorização da ética do trabalho, a qual se aproxima mais do mundo original do sobrenome do artista, da Europa central provavelmente, do que da tradição local. Da mesma forma, a mulher aqui ganha retrato muito menos machista do que em geral se vê.
Enfim, um CD de ouvir e ouvir de novo, com grande gosto. Não há reacionarismo político ou comportamental, mas uma legítima alegria de viver. Parece que vem nascendo um grande artista, que mescla o mergulho na tradição, mas sem afetação, com uma força expressiva genuína. Um refrigério neste tempo de tanta dissimulação e falcatrua.
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