sexta-feira, 2 de outubro de 2015



02 de outubro de 2015 | N° 18312 
DAVID COIMBRA

Estou com pena da Dilma

A primeira vez que entrevistei Lula foi nos anos 1980. Não me lembro exatamente do ano, lembro-me exatamente do lugar. Foi no salão paroquial da Igreja São José, na Praça Nereu Ramos, centro de Criciúma. Lula puxou uma cadeira e nós nos sentamos em volta. Éramos poucos, Lula então não passava de curiosidade. Ele ficou falando durante muito tempo. O que me chamou a atenção foi exatamente isso: como ele gostava de estar ali, falando, se promovendo. Seus olhos brilhavam, enquanto se expressava.

Lula nunca foi grande orador. Sempre foi grande comunicador. Grande orador foi Pedro Simon. Não pelo conteúdo; pela forma. Se você larga a lista de compras do súper na mão do Simon, ele vai começar a ler aquilo: “Trezentos gramas de carne moída, massa, um quilo de arroz, papel higiênico, cebola, feijão mulatinho, creme de leite...”. Ele vai começar suavemente, quase de forma sussurrada, na carne moída, e vai no que os jogadores chamam de “num crescendo”, e vai, até que, quando chegar ao creme de leite, você é que estará urrando, de punhos cerrados e dentes rilhados, querendo fazer a Revolução.

Brizola também foi grande orador. Usava umas figuras de linguagem que tocavam o ouvinte e lhe suavizavam o conteúdo. Chamava o Cid Moreira de “bugio branco” e, de Garotinho, disse que não se podia confiar num sujeito de cara redonda. Como não rir?

Collor é outro que sabe discursar. Melhor do que Lula, até. Mas não tem o mesmo poder de comunicação. Lula nunca fala além do óbvio, mas sabe para quem fala.

Curioso, isso. Poucos políticos brasileiros são oradores de texto, como era João Neves da Fontoura.

Churchill era homem de texto, mas não tinha ênfase. Hitler, sim. Hitler empolgava pelo vigor.

Como será que discursava Marco Antônio, que, com a toga ensanguentada de César nas mãos, levou os romanos à sedição, pelo menos segundo Shakespeare?

Mas estou divagando. O que queria dizer é que o político tem de ser inflamado por essa verve, tem de gostar da palavra, ou será sempre um político das sombras, não das luzes.

Dilma não tem isso. Dilma não gosta de falar, atrapalha-se quando discursa, fica aborrecida quando questionada. O que me leva a concluir que ela talvez nunca quisesse realmente estar tão exposta quanto está. Talvez ela faça sacrifícios para exercer o cargo.

Por essa razão, sinto pena de Dilma. Sei que já vão gritar: “Tinha de ter pena dos brasileiros, que...”. Sei, sei. Mas não estou falando do governo de Dilma, que de fato é ruim. Estou falando da pessoa e da cruz que tem de carregar. Suponho que Dilma teve, por exemplo, de receber esse rapaz que faz na internet o perfil “Dilma Bolada”. Os marqueteiros devem tê-la forçado a suportar tal constrangimento. Ela tirou fotos com ele, os dois cabeça com cabeça, sorrindo. Ele começou esse perfil, uma página bobinha no Facebook, quando tinha 19 anos, idade em que as pessoas, se não forem precoces como um Rimbaud, são mesmo bobinhas.

Esse menino ficou famoso graças à ligação com Dilma, ganhou por isso patrocínios indiretos do PT. Recebeu gordo dinheiro. Lucrou com a imagem de Dilma. E agora anuncia que está “rompendo” com a presidente. Um rapazote de 25 anos, que nunca foi nada além de fake em rede social, diz que “retira o apoio” à presidente do Brasil. E a presidente, além de todas as tragédias do seu governo, além da sua natural incompatibilidade com certas funções, além dos problemas com a oposição e até com a situação, tem de lidar com isso. Francamente. Coitada da Dilma.

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