sexta-feira, 2 de outubro de 2020

 O transcendente na obra de Kafka

Os sagrados cães dançarinos - Mística e heresia em Franz Kafka (Editora Filocalia, 240 págs., R$ 69,90), de Eduardo Oyakawa, pós-doutor em Filosofia da Arte pela Universidade Federal de São Paulo, mestre e doutor em Mística e Literatura pela PUC-SP, sociólogo, poeta e membro da Associação Brasileira de Filosofia da Religião, é o resultado de mais de uma década de reflexões e indagações do autor, que originaram investigações sobre filosofia, teologia e história das ideias.
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Durante anos, a obra de Franz Kafka foi tratada, predominantemente, pelos especialistas sob o ponto de vista da sociologia da cultura, da psicanálise e do marxismo frankfurtiano. A fulgurante questão da religiosidade dos textos foi parcialmente deixada de lado às expensas da compreensão ontológica de que as narrativas não apenas sugerem como deixam florescer, se forem ciosa e corajosamente escrutinadas.
Os sagrados cães dançarinos, de forma original e generosa, pretende trazer à luz a possibilidade de uma hermenêutica de cunho místico sobre algumas das narrativas kafkianas. Tentando desvelar um aspecto sobrenatural, o autor propõe, de modo inovador, investigar a face cruel e angélica do Deus escondido no mundo. Alguns afirmam haver um apelo ao transcendente em Kafka, mas a maioria nega essa ânsia pelo divino.
São pontos altos da obra de Oyakawa: a análise contextual, importante para situar o leitor no tempo, proporcionando maior clareza nos escritos; a eloquente exposição do antagonismo vivido por Kafka entre a vida prática e a vida espiritual e, por fim, a apresentação sistemática dos intérpretes, oferecendo ao leitor uma multivisão das críticas feitas ao autor nascido em Praga, desvelando, surpreendentemente, uma religiosidade presente nas obras de Kafka estudadas.
Como se vê, os leitores brasileiros têm a oportunidade de ler uma obra aprofundada e bem fundamentada sobre aspectos importantes de narrativas de um dos maiores escritores de todos os tempos.

O dilema dos peixes

A matéria de capa da Veja desta semana trata de um dos assuntos mundiais mais importantes: o sucesso estrondoso do documentário O dilema das redes, o preço dos likes e o extraordinário poder dos gigantes da tecnologia (Google, Facebook, Instagram, etc) sobre as pessoas e a vida atual. Se você cai nas redes, é peixe, se não cai, também é.
Não temos escapatória. Não adianta morar sozinho em Pinhal, sem celular, computador, tablet, notebook, radio ou aparelho de TV. Eles vão te descobrir e, mesmo que não te achem, vais ser afetado, de alguma ou muitas formas, pelos algoritmos dos donos do poder. Eles nos chamam de usuários, mesma palavra utilizada para os viciados em drogas.
O título da série deveria ser O dilema dos peixes, pois seria melhor e mais democrático que as pessoas escolhessem sobre forma, conteúdo, quantidade, qualidade e privacidade das informações. Vida privada, segredos e liberdade viraram sonho de uma noite de verão. O Big Brother do romance 1984 hoje é coisa de jardim de infância perto do que anda por aí em matéria de mídias e controles sociais. A privacidade acabou.
J.D.Salinger, autor de O apanhador no campo de centeio, era a última pessoa privada nos Estados Unidos. Aí a ex-mulher escreveu um livrão sobre sua vida íntima e deu. No Brasil, até Dalton Trevisan, um grande recluso, teve sua privacidade invadida por um livro escrito por um ex-amigo e colega de bar e de literatura.
Enfim, se ficar as redes te pegam, se correr as redes te comem. Se tu estás dentro, fica doido com tantas imagens, sons, mensagens, grupos e informações. Se estás fora, é tipo assim morte em vida e navegar no mar do esquecimento e da solidão. Complicadíssimo. Alguns chefões das grandes empresas aconselham cuidado e mesmo a nem entrar nas redes. O escritor israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens, alerta para a falta de privacidade nas redes, mas ao mesmo tempo tem contato com os proprietários das megaempresas do Vale do Silício.
Em vários países do mundo há esforços legislativos para tentar, ao menos, regular a coleta, a seleção, a análise e a distribuição de informações, especialmente em meios eletrônicos. O esforço é válido e necessário, embora seja difícil controlar o incontrolável que anda por aí. Algumas empresas pretendem que o controle seja feito por elas mesmas, o que é questionável, para dizer o mínimo.
Mentiras são disseminadas com muito mais rapidez que verdades e as terríveis fake news vão causando danos irreparáveis. Pessoas, países, democracias, ideais, dados científicos e muito mais estão aí, correndo riscos e expostos aos poderes devastadores de uma tecnologia que foi pensada para o bem da humanidade e não para causar tantos estragos. Em tempos de coronavírus as coisas se agravaram e as pessoas estão estonteadas, desorientadas e carentes de informações verdadeiras, bem como de atitudes governamentais e privadas que coloquem a informação em outros patamares.

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