sábado, 3 de outubro de 2020


03 DE OUTUBRO DE 2020
CLAUDIA TAJES

Não chame gente de animal 

Estou em campanha para que nenhum ser humano, homem ou mulher, desses que a gente vê a toda hora sendo violento, grosseiro, desrespeitoso, corruto e etc., seja chamado de animal.

Animal por quê? Animal parte para a ignorância sem motivo?  Destrói o lugar onde vive?

É racista?

Preconceituoso? Acaba com o futuro dos outros? Trata a fêmea feito lixo?

Se diverte com a desgraça alheia? Humilha? Espezinha?

Não há injustiça maior com um animal do que compará-lo aos incivilizados dos nossos dias. E nunca é demais lembrar que a falta de civilidade não tem nada a ver com classe social ou grana, como se viu no fim de semana passado, nas cenas do restaurante Gero, em São Paulo, e no Leblon, no Rio de Janeiro. Caiu o queixo até de quem já viveu bastante e viu de (quase) tudo.

Baixaria na Alta Roda, Elite Transviada, Se Minha Mercedes Falasse. Vergonha alheia em cartaz.

A nossa mania de chamar os piores humanos pelos nomes de espécies animais: que equívoco. Por que um sujeito que não vale nada é chamado de cachorro se os cães são os bichos mais fiéis que existem? Para protestar - por exemplo - contra um ministro do Meio Ambiente que decidiu passar a boiada e acabar com os critérios de preservação de áreas naturais, a turma se exalta: esse ministro é um cachorro!

Cachorro, vírgula. É um homem. Desprezível como os piores homens.

E o caso da galinha e da vaca? Bichos simpáticos e eternamente a serviço dos humanos. Nem vamos falar aqui dos maus-tratos que sofrem em situações de exploração para não estragar o dia dos leitores. Fato é que, para ofender uma mulher - e são muitos os motivos, como comportamento sexual, atuação política, atitudes de liderança, defesa de causas, para ficar nos mais comuns -, pessoal não deixa barato. Fulana é uma baita de uma galinha! Beltrana é uma vaca mesmo.

Não basta ofender as gurias pelas desrazões acima, ainda tem que botar dois animais dos mais dóceis e úteis no meio. Xingamento 100% sem noção.

Agora, enquanto o Pantanal queima, as imagens dos animais são de partir o coração. Bichos feridos, sem abrigo, sem água, sem comida, sem rumo. Mães tentando salvar suas ninhadas. Onças, jacarés e jiboias atravessando a estrada por instinto, só que não existe mais para onde fugir. Os macacos, que em outros tempos se diria que parecem gente, o que seria ofensivo a eles na atual situação, reagem com desespero. Isso tudo para alguns aumentarem seus já imensos, extensíssimos pastos.

O fogo também revelou a situação do Parque das Onças, no Mato Grosso, perto de onde ficam (ou ficavam) as pousadas mais caras. A região toda tinha um só funcionário para cuidar do único parque de preservação da onça pintada no mundo.

Orçamento: R$ 45.120 por ano. Ou R$123,60 por dia. Quantas outras reservas devem estar na mesma penúria?

É preciso dar o nome certo para quem está promovendo a tragédia no Pantanal, na Amazônia, no Brasil. Não são ratos, abutres, urubus, cobras, burros, nada disso. Não vamos ofender os animais.

O criminoso que está acabando com a natureza é o homem, sempre ele. Sempre miseravelmente humano.

CLAUDIA TAJES

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