30 DE ABRIL DE 2019
DAVID COIMBRA
Por que os professores de História são de esquerda
Por que os professores de História são de esquerda? Debatíamos a respeito ontem, no Timeline Gaúcha. É fato que a maioria dos professores de História é de esquerda, há até pesquisa que comprove, mas ninguém responde à pergunta. Então, repito-a:
Por que os professores de História são de esquerda?
É uma questão importante. Porque, afinal, quando as pessoas discutem política, não raro um debatedor afronta o outro:
- Vá estudar História!
Quem diz isso afirma que aquele estuda História sabe do que fala. Bem, os professores de História estudam História. Logo, eles devem saber do que falam. Assim, faço a pergunta pela terceira vez, agora com um adendo:
Se os professores de História entendem do que falam, por que eles são de esquerda?
Respondo: porque quem se interessa por História sabe que a trajetória das sociedades humanas se fundamenta na exploração do homem pelo homem. Mais até: o sistema escravagista, descarado ou disfarçado, sempre foi a base da economia mundial.
Não acredita? Olhe para a História: a escravidão servia como o cimento das sociedades antigas. Em geral, os escravos eram submetidos em guerras de conquista ou reduzidos a esse estado por causa de dívidas, mas houve casos de uma classe ser dominada por outra da mesma origem étnica, como os hilotas, que eram oprimidos pelos esparciatas na Lacônia.
Exemplo clássico de povos inteiros sujeitos à escravidão deu-se com os hebreus, duas vezes tornados servos. Da primeira não foi por guerra: os hebreus mudaram-se espontaneamente para o Egito, fugindo de uma carestia. Bem mais tarde é que um novo faraó, Ramsés II, decidiu impor certos trabalhos a eles. Da segunda, aí, sim, Nabucodonosor conquistou as tribos de Israel e levou o povo todo para a Babilônia. No caminho, eles sentaram nas pedras à beira dos rios e choraram.
Os escravos fizeram a grandeza de mil anos de Roma, até que o cristianismo os emancipou. Quer dizer: emancipou mais ou menos, porque, na Idade Média, o sistema feudal prendeu o homem à terra. O camponês agora não tinha um dono, tinha um suserano. Que, ao fim e ao cabo, era a mesma coisa.
O sistema de servidão mais duro da Europa talvez tenha sido o da Rússia, só abolido no século 19. Mas poucos povos sofreram tanto quanto os africanos, que por 400 anos foram caçados como bichos e, como bichos, acabaram sendo levados através do oceano para as Américas, onde trabalhariam feito bichos.
O crime cometido contra os africanos foi o pior de todos, porque a justificativa para a sua submissão não era a derrota bélica, nem algum crime cometido - era a cor da pele. Ou seja: os negros eram considerados menos humanos, o que avalizava moralmente a escravidão. Terrível.
Depois que a escravidão e a servidão terminaram, os proletários os substituíram no começo da Revolução Industrial. Homens, mulheres e crianças trabalhavam até 16 horas por dia, sem direito a férias ou fim de semana, em troca de salários de fome. Isso não poderia durar muito tempo. Os trabalhadores começaram a se revoltar. Mas o capitalismo tem uma qualidade darwiniana: ele vai se adaptando às novas realidades.
Então, antes da Segunda Guerra Mundial, o campeão do capitalismo, a Inglaterra, mantinha-se forte graças ao seu império, onde o sol jamais se punha. Depois, o capital seguiu procurando mão de obra barata, seja lá em que canto do planeta estivesse. Hoje, a energia do capitalismo mundial vem dos chineses, que ganham pouco e trabalham muito. Empresas de toda parte, inclusive do Brasil, transferem-se para a China, atraídas pelos baixos salários que lá são pagos. Uma versão suave da escravidão.
Os professores de História, vendo isso, só podem ser de esquerda. Mas? mas antes que você me chame de esquerdopata, comunista, socialista e petista, antes que você me mande para Cuba ou para a Venezuela, antes de você se irritar, espere um pouco. Ainda tenho ponderações a fazer. Amanhã.
DAVID COIMBRA