sábado, 28 de agosto de 2010



28 de agosto de 2010 | N° 16441
NILSON SOUZA


A manchete da vida

Um bilhete pode ser uma lição de jornalismo: “Estamos bien en el refugio los 33”.

O mineiro chileno que escreveu esta mensagem, mesmo sem ter usado pontos e vírgulas, respondeu em meia dúzia de palavras a todas as questões essenciais da elaboração de uma notícia. Quem? Os 33 trabalhadores soterrados. Quando? Naquele momento. “Estamos”, mais do que presente do indicativo, soou como um grito de fraternidade.

Como? Bem, todos bem – a melhor informação que o mundo poderia receber. Onde? No refúgio da mina de cobre. O quê? Um verdadeiro milagre. Por quê? Porque eles já estavam enterrados havia 17 dias, a 700 metros de profundidade, sem nenhum contato com as equipes de resgate.

Esta viagem ao centro da Terra, ao contrário da célebre aventura escrita por Júlio Verne no século 19, parecia sem volta. E ainda não se tem certeza de que aqueles homens sairão do buraco como entraram, pois os especialistas calculam que a nova escavação levará meses para ser concluída.

Mas o fio de Ariadne da tecnologia já indicou o caminho e trouxe para a superfície uma manchete de vida, manuscrita num papel amassado, mas com potencial para multiplicar a esperança de familiares e amigos.

Agora, o mundo inteiro olha para o deserto de Atacama, onde homens e máquinas trabalham arduamente em tempo integral para abreviar o drama dos entocados. Pelo que se sabe, eles já estão recebendo alimentação adequada, orientação médica e até cartas de parentes, mas ainda não sabem que a libertação pode demorar cerca de quatro meses.

Ainda parece ficção científica: três dezenas de pessoas transformadas em tatus, tendo que conviver por tanto tempo numa caverna estreita, escura e pouco arejada.

Acho que é uma situação mais claustrofóbica do que a dos astronautas que passam semanas na estação orbital. Lá em cima, pelo menos, a vista deve ser melhor.

No mundo de Hades – o deus da mitologia grega que governa os subterrâneos e os mortos –, não há muito o que fazer. Mergulhar nas profundezas do planeta em busca de minérios equivale ao sortilégio mítico de comer as sementes de romã oferecidas pelo senhor das profundezas a Perséfone – que dele enamorou-se e ficou presa nas cavernas.

Mas até ela recebeu permissão para emergir na primavera, quando tudo floresce e o sol ilumina a aventura da vida.

Esperemos que a próxima manchete seja ainda mais sintética: “Volvemos bien, los 33”.

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