quarta-feira, 4 de agosto de 2010



04 de agosto de 2010
| N° 16417 - DAVID COIMBRA


Tudo por causa de um penteado

Muitas coisas mudaram nos anos 80. Foi em algum desvão daquela década que os oculistas se transformaram em oftalmologistas. Noutro, os desenhistas viraram designers. E lá pelo final a tele-entrega se tornou delivery. Supostamente, o mundo se sofisticou. Imagino que tenha sido uma reação aos mullets.

Nos anos 80, as pessoas usavam mullet, aquele penteado estilo Roberto Carlos ou Chitãozinho & Xororó. É bem provável que, em certo momento, a maioria silenciosa da população não tenha mais suportado aquilo e partiu para o revide.

E sendo os mullets um símbolo de alegre vulgaridade, tipo programa de auditório nos domingos, tipo música baiana, tipo churrasco no parque, sendo, portanto, os mullets um padrão do que era chão e popularesco, descambou-se para a antítese, para o pretensamente requintado.

Fico a pensar em qual será a reação contra as calças sem fundilhos. Algo terrível ocorrerá. Sim, porque os seres humanos sofrem calados, até que não aguentam mais e arremetem em contragolpes de fúria.

Fúria. Isso. Tempos de fúria sobrevirão às calças sem fundilhos.

Mas, voltando aos anos 80, aqueles tempos loucos em que bebíamos vodca com Fanta laranja. Foi na década de 80 que o futebol presumidamente se sofisticou. Os pontas foram extintos sem pena.

Abateram-nos com método e indústria, como Búffalo Bill abatia os búfalos americanos atirando com sua Winchester das janelas de locomotivas em movimento. Tentaram fazer o mesmo com os centroavantes; não conseguiram. Centroavantes são maiores do que técnicos.

Mas os centromédios estão para os oculistas como os volantes estão para os oftalmologistas. E na defesa, não se sabe como, beque virou zagueiro. O que, de certa forma, mudou um pouco a personalidade do zagueiro.

Os zagueiros de hoje não são como a feroz dupla Miguel & Moisés, do Vasco da Gama; não são mais como os temidos e destemidos Irmãos Pontes, do Gaúcho de Passo Fundo; nem são como Brito, o mais sério dos homens da Seleção de 70. Não. Hoje há zagueiros afáveis, há zagueiros bonzinhos.

Com exceção de Bolívar.

Bolívar joga como jogava seu pai, e tem uma trajetória em tudo idêntica à que teve seu pai. O velho Bolívar, como o jovem Bolívar, começou na lateral do Grêmio. Só que o pai na esquerda e o filho na direita. Ambos se transferiram para o interior conflagrado da grande área, onde se afirmaram. O velho Bolívar batia sem considerações morais. Como o jovem Bolívar. Os atacantes temiam, e com razão, o Bolívar pai. Hoje temem o filho.

Bolívar Filho intimidou Fernandão na semana passada. Decerto submeterá nesta semana. O sucesso do Inter passa por Bolívar. Que não é zagueiro; é beque. Como uma velha e quase esquecida tradição. Como muitos antes dele. Como era seu pai.


Uma tarde com Manuela
Na última eleição para prefeito da capital de todos os gaúchos fui pautado pelo jornal para acompanhar a Manuela por um dia. Ela era a sensação da campanha, e a ideia era descobrir por quê.

Bem.

Uma tarde, atravessei a cidade para ir ao comitê da Manuela, entrevistei-a e, depois, saí caminhando ao seu lado pelas ruas esfervilhantes do Centro. Constatei que ela conquistava as pessoas com chicotadas de sorriso. Olhava para um, sorria-lhe num golpe, SLPET, e ele já se enternecia. Por ser bonita, sim; por ser simpática, também; mas sobretudo por ser autêntica. Aí estava a matéria.

Mas não observei apenas a Manuela. Outro personagem chamou-me a atenção durante a caminhada: o então presidente do Grêmio, Paulo Odone. Ele girava em volta da candidata brandindo os punhos, sorrindo e prometendo:

– Domingo nós vamos passar o rodo!

Não se referia à eleição. Falava a respeito do Gre-Nal que seria realizado no final de semana.

À noitinha, voltei para o jornal e, antes mesmo de sentar, previ:

– O Grêmio vai perder o Gre-Nal.

O domingo chegou e: 4 a 1 para o Inter. Nos dias seguintes, Odone confessou que havia errado profundamente às vésperas do clássico. Trata-se de um dirigente experiente, sabia que ele, mais do que qualquer outro, havia sido o responsável pela derrota.

Sabia que as atitudes do dirigente influenciam todo o clube, que suas palavras e atitudes infiltram-se pelos poros das paredes do estádio, derramam-se pelo vestiário, penetram nos canais auriculares dos jogadores e mudam a forma do time se comportar em campo.

Um clube de futebol tem o tamanho dos seus dirigentes. Do interesse dos seus dirigentes pelo clube, da atenção que ao clube dedicam, do talento que possuem. Não é à toa que Inter e São Paulo estão em nova partida decisiva. São os melhores clubes dos últimos cinco anos no Brasil. Porque têm em seus gabinetes os melhores dirigentes dos últimos cinco anos no Brasil.

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