quarta-feira, 25 de agosto de 2010



25 de agosto de 2010 | N° 16438
JOSÉ PEDRO GOULART


Subterrâneos

1) No Chile, trabalhadores de uma mina de carvão estão soterrados há quase 20 dias. Até domingo passado, havia pouquíssima esperança de que estivessem vivos, mas um bilhete, colado numa das perfuratrizes, anunciou: “Estamos bien”. Trinta e três mineiros, num buraco 700 metros debaixo da terra, quase sem água, luz, comida; pouco ar, mandam um aviso para que não desistam deles, um código simples e direto, sem queixas ou alarmes (pra quê?): “Estamos bien”.

(As autoridades falam em quatro meses para tirá-los de lá.)

2) Lembrei-me dos encurralados do submarino Kursk. Naquela vez, não houve chance de contato ou salvação – mesmo assim, os marinheiros deixaram cartas para os parentes. Falavam daquilo que sentiam, do que acontecera. São mensagens doloridas, duras de ler, o suplício de uma espera sem esperança. Numa carta, havia uma declaração que resumia o fato, como se fosse um epitáfio: “Escrevo no completo escuro”. Um cidadão, preso num submarino avariado, claustrofóbico, imóvel, a dezenas de metros num subterrâneo de águas frias, deixa uma frase que revela um naco gigante do nosso medo primal. Por que ele teve que escrever aquilo?

3) No filme A Origem, os subterrâneos não estão no mar ou na terra. Os sonhos são amostragens desse lugar, pequenos uploads do inconsciente deixados no YouTube da nossa memória real. O que é sonho e o que é realidade?

4) Sofro de uma claustrofobia branda. O que me intriga é que não temo aviões ou elevadores, por exemplo. Exceto quando eles estão parados com a porta fechada. Um avião esperando na cabeceira da pista é uma tortura para mim. Depois que ele voa – sob chuva ou tempestade, não importa –, sigo tranquilo. Por quê?

Saiu agora pela L&PM A Espécie Fabuladora, de Nancy Huston. O livro, imperdível, estuda o comportamento humano a partir da necessidade que temos de “fazer narrativas”, contar a nossa experiência; e de criar fábulas, isto é, aumentar, inventar, distorcer, mentir. A ficção esconde a verdade.

Imagino que o avião parado na pista me cause ansiedade porque “não narra”, retém o tempo – paralisa a história. Imagino que a não linearidade dos sonhos do Christopher Nolan, em A Origem, desconfigure a ideia confortável que a consciência estável dá. Penso no marinheiro escrevendo no escuro e percebo o sentido disso tudo. A gente narra a procura de um sentido. A gente narra para provar que tudo não passa de um sonho.

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