sábado, 28 de agosto de 2010



29 de agosto de 2010 | N° 16442
PAULO SANT’ANA | ALEXANDRE BACH (INTERINO)


Oito de ouros

De todos os meus mestres no jornalismo, sugo o máximo para criar minha definição do que é notícia. Os conceitos que já colhi, e ainda colho, são muitos, mas o que mais gosto foi um que li: jornalismo é contar uma boa história de forma envolvente.

Penso muito nisso, principalmente nesse tempo atual, quando a internet nos obriga erradamente a discutir mais a forma do que o conteúdo. Seja no passado, seja hoje, seja daqui a 300 anos, jornalismo é contar uma boa história. O que vai mudar é como a gente vai passá-la adiante.

Tento alertar a nova geração disso, que as pessoas não existem na internet. As histórias delas se refletem lá, são discutidas no mundo digital, mas ocorrem nas nossas ruas, nas nossas casas, entre nossos amigos. Tudo na vida real.

É a vida real a matéria-prima que precisamos remexer para cavar as boas histórias. Mas não é uma tarefa difícil: bastar estar com os olhos voltados para o mundo, pois, quando menos se espera, 33 homens ficam soterrados entre galerias de uma mina, no meio de um deserto, abaixo de 700 metros de areia. Estão enterrados vivos no Chile.

Isso é uma boa história.

Primeiro, fiquei feliz quando os primeiros sinais de vida brotaram do fundo da terra. Eles estão vivos e bem, como informou o bilhete escrito à mão em tinta vermelha num pedaço de papel. Segundo, fiquei surpreso com o primeiro pedido. Queriam escovas de dentes. Quem vai lembrar da higiene bucal numa situação dessas? Terceiro, fiquei estarrecido com a primeira manifestação do grupo: unidos, os mineiros cantaram o hino do Chile. Quem vai pensar na pátria numa hora dessas?

Costurar todos esses detalhes intrigantes de uma jornada forçada ao centro da terra vai render uma boa história. Tanto quanto a dos sobreviventes dos Andes, o grupo de 16 rapazes uruguaios que em 1972 sobreviveu a 71 dias na neve andina comendo carne dos próprios colegas mortos no acidente aéreo que os isolou lá.

Do árido deserto chileno, além de uma grande história jornalística, vai nascer uma inigualável lição de vida. Já avisados, os mineiros se disseram conformados com o fato de o resgate demorar quatro meses para chegar. Provavelmente, vão passar o Natal entre a poeira e a escuridão do subsolo desértico, e não no calor de suas famílias. E quando o Ano-Novo chegar, vão renascer das entranhas da terra, depois de uma gestação em um útero sufocante, mas forrado de esperança.

Os mineiros chilenos vão nos legar a importância da perseverança. Lembrei de um momento que vivi, dia desses, num desses eventos promocionais. Um mágico que fazia parte da alegria toda se aproximou e me pediu que separasse uma carta do baralho. Peguei um oito de ouros. Assinei na face com uma caneta preta.

Pois o mágico fez o oito sumir duas vezes e aparecer no meio do baralho. Por fim, a carta surgiu no bolso interno de seu casaco, dentro de uma carteira que estava dentro de outra carteira. Não me perguntem como.

Mandei fazer um quadro do oito de ouros e tenho aqui na minha sala, ao alcance dos olhos e do coração. Serviu como uma lição para mim, e certamente é a mesma que embala a vontade de viver dos mineiros chilenos neste momento. Na vida, a gente consegue tudo. Basta usar as mágicas certas.

Aviso aos navegantes: nosso mágico maior volta amanhã.

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