sexta-feira, 3 de novembro de 2023


03 DE NOVEMBRO DE 2023
CELSO LOUREIRO CHAVES

Os 60 anos da sede da Filarmônica de Berlim

É bem comum comemorar aniversários redondos de compositores, como Bruno Kiefer e seu centenário, a serem celebrados pela Ospa no concerto agora do dia 10 de novembro. É este o caso também com certas obras mestras, como a Sagração da Primavera de Stravinsky, que no ano do centenário ganhou um livro de presente, Avatar da Modernidade, esquadrinhando todos os aspectos da peça.

Muito mais raro é celebrar datas redondas de salas de concerto, esses lugares de ir e vir e ficar um pouco, para ouvir música, aplaudir (em casos muito raros, vaiar) e ir embora. No entanto, isso também acontece: agora mesmo os 60 anos da sede da Filarmônica de Berlim estão sendo comemorados numa temporada inteira em que a sala virou ponto focal, ao lado da música e dos solistas estrelados.

É que o prédio da Filarmônica de Berlim é uma rara confluência de arquitetura, música, política e ideologia. Quando começou a ser construído, em 1959, o seu local de habitação era um descampado deprimente, bem ao lado daquele que uma vez tinha sido o cruzamento urbano mais movimentado do mundo, a praça Potsdam. Naquele momento, poucos anos depois do final da Segunda Guerra, era terra de ninguém.

Havia um motivo para a localização esdrúxula: o prédio ficava quase ao lado da fronteira entre as duas Berlim, Ocidental e Oriental, como um monumento capitalista a desafiar o socialismo. Logo depois veio o Muro e quando a sala foi inaugurada, em 1963, a terra de ninguém tinha virado um território de cimento e torres de vigilância, embora a música insistisse em ficar ali, com Herbert von Karajan e seus Beethovens preferidos.

Ao projetar o prédio, a grande inovação do arquiteto Hans Scharoun foi colocar a orquestra no centro do espaço e não numa das pontas, empilhando a plateia ao redor dos músicos, naquele que ficou conhecido como "modelo videira". A partir daí, o modelo da Filarmônica de Berlim foi repetido várias vezes em outros lugares, com variações e aperfeiçoamentos para domar a acústica que, nos primeiros tempos, era intratável.

Décadas depois, a acústica foi dominada com intervenções aqui e ali. Tanto assim que, ao assistir um concerto na Filarmônica de Berlim, algo impressiona que nada tem a ver com música. Maestro no pódio, músicos a postos, plateia serenada - então se instala um silêncio impressionante e raro e o prédio todo parece respirar, pronto a adquirir vida. É isto o que faz essa arquitetura que foi inovadora em seu tempo: transformar o silêncio em algo que, às vezes, chega a ser mais expressivo do que a música.

CELSO LOUREIRO CHAVES

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