Fabrício Carpinejar
Lição da vida
Quando entregara o convite com o meu endereço, cada um dos
meus colegas havia confirmado a presença, agradecendo a lembrança com um
sorriso. E, nas minhas costas, planejaram uma conspiração de ausências
Em minha primeira festa de aniversário organizada para os
amigos, não veio ninguém. Eu tinha oito anos e era um feriado. Chamei os
colegas da escola e nenhum deles apareceu. Fiquei esperando no portão das 16h
até anoitecer. Morávamos numa esquina. Todo mundo que dobrava a rua acelerava
meu batimento cardíaco, podia ser um convidado.
Estava estreando botas ortopédicas e um macacão branco. Com a
lua e as estrelas já despontando no céu, desisti da minha vigília, percebi que
não existiria reciprocidade fora de mim. Engoli o choro, tinha gosto de gripe.
Não conseguia levantar o meu olhar, que se tornou pesado pela
vergonha de não ser amado. Arrasado, via-me excluído das minhas relações mais
próximas, desprestigiado, vítima de um bullying silencioso.
Minha esperança foi torturada. Não duvidava de que a turma
havia combinado o boicote coletivamente, só para que eu sonhasse alto com as
expectativas da casa cheia e, consequentemente, sofresse mais com a queda e as
cadeiras vagas ao redor da mesa.
Quando entregara o convite com o meu endereço, cada um dos
meus colegas havia confirmado a presença, agradecendo a lembrança com um
sorriso. E, nas minhas costas, planejaram uma conspiração de ausências.
O gesto de protesto me dizia claramente que eu não merecia
atenção ou destaque nem na data de meu nascimento, que minha aparência não
inspirava credibilidade. Que eu deveria recolher a minha insignificância de
menino feio e desengonçado, cheio de apelidos, sem companhia para fazer
trabalho em grupo. Eu sabia que entraria na sala de aula na manhã seguinte com
o pessoal rindo sussurrado do meu vexame. Minha dor ainda se encontrava no seu
primeiro capítulo.
Mas, ao voltar para dentro da residência, emburrado, eu vi a minha mãe tão desolada que esqueci o meu sofrimento. Afinal, ela passou noites em claro preparando os docinhos e salgadinhos para atender à criançada. Na véspera, seu maior medo era que as bandejas não fossem suficientes para o tanto de gente.
Eu a abracei e falei: Arrasado, via-me excluído das minhas relações
mais próximas, desprestigiado, vítima de um bullying silencioso. — Não fique
assim, mãe, podemos congelar a torta para o ano que vem. Você cura a sua
tristeza quando se preocupa com a tristeza do outro. É o princípio da volta por
cima.
Sua tristeza deixa sua natureza egoísta, ensimesmada, e
assume uma condição inesperadamente gentil, cordial, olhando para as lágrimas
ao lado. Mesmo acabrunhado, você se sente capaz de confortar as dores de quem
gosta. E seguir adiante. E não se abater por uma situação adversa.
Em vez de se acreditar isolado, isolar a mágoa. Entender que
seu pesar não é exclusivo, muito menos incomum. Que haverá dias ruins e bons, e
nenhum deles será definitivo. Pois, na verdade, você jamais sofre sozinho. A
família sempre sofrerá com você. Naquele momento, eu envelheci um ano e
amadureci bem mais do que isso.
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