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16/03/2023 - 08h12min
J. J. Camargo
As novas
gerações estão matando a palavra e o pensamento
Quanto mais pobre a linguagem, mais o instinto selvagem arreganha os dentes. Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor capacidade de processar um pensamento. "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor." (Paulo Freire)
O clipe que viralizou na internet mostra uma jovem negra
americana, na época de extrema discriminação racial nos EUA, tentando convencer
um velho juiz a obter autorização para estudar numa escola de brancos, porque
seria o único caminho para alcançar o sonho de ser a primeira mulher engenheira
da Nasa. A argumentação e o desfecho são comoventes e inspiradores (procure no
TikTok por "O poder do argumento").
Como a construção do argumento depende da riqueza das
palavras, mais uma vez fica evidente que quem trabalha com pessoas, e a todo o
instante precisa ser persuasivo, depende criticamente dela, a palavra. E o
mundo moderno parece, incompreensivelmente, determinado a maltratá-la. Como
consequência, neste início de século tem sido observado, pela primeira vez, a
chegada de uma geração menos inteligente do que a anterior.
Muitas evidências sugerem que por trás disso está o
empobrecimento da linguagem. E como advertiu Christophe Clavé, um crítico
francês: "E não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as
sutilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos.
O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas
do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no
presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo".
Estudos têm mostrado que parte da violência do cotidiano
decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.
Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor
capacidade de processar um pensamento. Como a falta de argumentos lógicos é o
caminho mais curto para a agressão, estudos têm mostrado que parte da violência
do cotidiano decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em
palavras.
Sem palavras para construir um argumento, o pensamento
complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento
desaparece, e o instinto selvagem arreganha os dentes. Se não houver
pensamentos elaborados, não haverá raciocínios críticos. E não há pensamento
sem palavras.
Os nossos jovens se tornaram exímios digitadores de símbolos
e abreviaturas e perderam, com poucas exceções, a capacidade de redigir um
texto que exprima emoção. Quem prefere o espetáculo pronto, como o da TV, por
exemplo, no máximo poderá admirar o talento criativo do outro, enquanto
atrofia, sem perceber, a sua própria criatividade.
Quem for assistir a um filme sobre um livro que o deslumbrou
sairá do cinema decepcionado, porque o diretor mais genial não conseguirá
transferir integralmente para aridez de uma tela a riqueza da imaginação
criativa do leitor.
Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia,
tornar a linguagem mais objetiva, abolir gêneros, tempos, nuances, tudo o que
cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente
humana.
Não surpreende que na pobreza do vocabulário até a delicada
sutileza do humor tenha mirrado, e as redes sociais tenham se obrigado a criar,
veja só, os "orientadores do riso". E que ninguém ponha banca de
esperto para rir antes do kkk.
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