15 DE ABRIL DE 2023
LEANDRO KARNAL
Aristóteles pensou na corrupção do sistema democrático. O demagogo conduz o povo, como diz a própria palavra. Explorando brechas da democracia, o líder desse tipo usa o apelo emocional, define os males como externos, cria um inimigo comum, adula as massas com elogios e, finalmente, é um bom orador.
Se temos fortes exemplos no mundo antigo, como Cléon de Atenas, nossa época expande a ideia demagógica. A primeira fonte é o acesso das massas ao voto e à ideia de que possuem poder. O segundo ponto, claro, são os meios de comunicação. Nenhum demagogo, de esquerda ou de direita, teria subido ao poder, no mundo contemporâneo, sem rádio e, depois, televisão e internet. As redes sociais trouxeram o palanque demagógico para dentro de cada casa, por vezes no sofá e na cama do eleitor.
O agravamento político no Brasil e no mundo teria apenas relação com algoritmos cibernéticos? Não. Também creio que a ideia de que todos devamos ser plenamente felizes, em estado de abundância e euforia, está provavelmente na base da expansão contemporânea da estrada demagógica. Se minha vida deveria ser plena, mas, mesmo assim, patino no lodo do fracasso, a culpa só pode estar fora de mim. O "condutor das massas" tem a função pedagógica de dar a explicação que o eleitor gostaria de ouvir. Nossa incapacidade de lidar com a dimensão trágica (ou patética) da existência é a porta que convida tais pessoas em todos os campos.
Ouso elaborar, para fins didáticos, o roteiro para construir o demagogo. Meu objetivo (é claro!) seria advertir contra ele, ao mostrar quais as partes que o constituem. Vamos lá:
1) O cidadão alvo do discurso dele é perfeito, ético, trabalhador e sempre honesto. O mal está no outro: estrangeiro, radicais de esquerda ou de direita, criminosos, gays, sindicalistas, judeus, islâmicos, intelectuais etc. O primeiro passo é reforçar o ego abalado do alvo do discurso. O mal é externo, fruto de uma conspiração nacional e mundial. Precisa criar a figura do homem ético para que se justifiquem todas as atrocidades. O homem de bem não mata por interesse, tampouco agride por egoísmo: ele age como um necessário anticorpo contra o vírus externo.
2) Todo demagogo reforça o ego do eleitor, afirmando que ele pertence à melhor comunidade do mundo. O grupo envolve sentimentos nacionalistas, religiosos ou de classe social. Apelos aos bons sentimentos do povo brasileiro: o autêntico, o real, o "raiz" são fundamentais. "Seríamos a maior potência do mundo pelas nossas virtudes intrínsecas se... não fossem tais e tais pessoas ou grupos adversários." A retórica do demagogo adula por necessidade e é bélica por consequência. Somos bons e devemos eliminar os maus. O clássico demagogo não é um político que busque o diálogo das partes, mas um estrategista de guerra a constituir inimigos e a solidificar o coletivo da tropa.
3) O demagogo profissional sabe elaborar ideias simples e diretas. Exemplos? Basta assinar as medidas X e Y, pois toda a economia entrará no eixo. Se fizermos uma lei tal, o crime terminará. Nada de detalhes sociologizantes ou sofisticações jurídicas. O demagogo é anti-intelectual não porque seja necessariamente burro, todavia sabe que o argumento mais elaborado tem pouca penetração midiática.
4) O demagogo funciona como o vinho de algumas regiões: ele sabe que qualidades medianas podem ser suplantadas por boa propaganda. No mundo contemporâneo, a catequese política implica domínio das redes sociais, dos seus agentes naturais e artificiais.
Velha piada da área de dieta diz - se o que se está comendo agrada ao paladar, cuspa porque engorda ou faz mal. A minha geração pensava que o bom mertiolate agia à proporção do ardor incômodo que causava. "Se arde, cura!" era um pensamento antigo. O que isso tem de relação demagógica?
Se ouço o discurso de alguém e acho maravilhoso, se as propostas do candidato parecem todas boas, se saio emocionado ao ouvir uma fala... "Cuspa, que faz mal!"
Aristóteles propunha, ao final da Política, a educação (Paideia) como parte essencial da felicidade na pólis grega. Acho que os demagogos existem e continuarão existindo. Não temos como calar a boca de todos, sem propor um tipo de repressão desagradável. Se não podemos evitar a fala dos falsos profetas, minha esperança está no refinamento dos ouvidos dos eleitores. A melhora de qualidade dos receptores pode crescer com programa de leituras críticas. Discurso agradável? Pode ser um vendedor ou um demagogo. O bom vendedor vai explorar fraquezas, como o sedutor político competente fará.
Resumo? Concordou com tudo? Sentiu o gosto do açúcar forte? Há chance de ser uma sedução falsa. Desagradou ou achou complicado? Pode ser, repito, pode ser que contenha mais verdade. Gente frágil busca elogios. Minha esperança continua na Educação. Como no passado, a ação política deve arder para curar. A condição de sucesso atual ainda está no placebo açucarado. Infelizmente!
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