Gilmar Fraga / Agencia RBS
21/04/2023 - 09h00min
Martha Medeiros
Julgo ofensivo tratar pessoas de 80 ou 90 anos como se fossem bebês.
Aviso aos meus futuros cuidadores: tenho olhos, não olhinhos. Tenho boca, não boquinha. “Vamos cortar o cabelinho?” Essa pergunta foi feita num salão de beleza a uma mulher de 71 anos que trabalha, namora e está de viagem marcada para o Marrocos – não para a Disney
Mario Quintana era um poeta superlativo, que de franzino só
tinha a aparência. Mas houve quem tentasse fazê-lo parecer menor do que era.
Certa vez um figurão disse a ele: “Gostei muito dos seus versinhos”, no que
Quintana rebateu: “Obrigada pela sua opiniãozinha”.
Dos hábitos que considero dispensáveis: falar com pessoas
mais velhas usando diminutivos. Em sua defesa, o figurão que chamou os versos
de Quintana de “versinhos” talvez alegasse que é assim que tratava a própria
mãe, os próprios tios: “Dá aqui tua mãozinha”. “Veste teu casaquinho”. Em vez
de assumir o sarcasmo, ele colocaria na conta da afeição e convenceria o júri.
Mas a minha absolvição ele não receberia assim tão facilzinho.
Aviso aos meus futuros cuidadores: tenho olhos, não olhinhos.
Tenho boca, não boquinha. Por mais bem intencionados que sejam estes
profissionais, e sei que são, julgo ofensivo tratar pessoas de 80 ou 90 anos
como se fossem bebês. Entendo que, se um idoso sofre de uma doença mental que o
priva de tomar decisões, o processo de infantilização se impõe. Soaria duro
dizer “abra a boca” antes de enfiar uma colher lá dentro. A pessoa realmente se
tornou um bebê e é da nossa natureza adocicar o diálogo, se aproximar com
suavidade.
Mas se a pessoa se alimenta, caminha, pensa, fala e vive com
autonomia, como qualquer adulta, o fato de ter muita idade não é motivo para
reduzir seu cotidiano a um minimundo. “Vamos cortar o cabelinho?” Essa pergunta
foi feita num salão de beleza a uma mulher de 71 anos que trabalha, namora e está
de viagem marcada para o Marrocos – não para a Disney.
Dentro de uma loja, a funcionária observa a cliente de 74
anos experimentar algumas roupas em frente ao espelho e a estimula: “O
casaquinho vermelhinho ficou perfeitinho, vai levar?”. A cliente comprou à
vista a jaqueta de couro vermelha e saiu com passos firmes em direção à
caminhonete que deixou estacionada lá fora.
Quando tomei a primeira dose da vacina contra a covid, havia
uma mulher de idade indefinida à minha frente na fila. Muitas rugas no rosto,
cabelos brancos e um bíceps de quem frequentava a academia desde os 15. “Puxe a
manguinha pra cima e me dê o bracinho”, disse a enfermeirazinha com a
seringazinha na mão, como se o posto de saúde fosse um parque de diversões.
Enquete: idosos preferem este tratamento? “Qual o seu
nomezinho?” “Tem um e-mailzinho pra enviarmos o resultado dos seus
examezinhos?”. Caso se sintam acolhidos pelos diminutivos, todo meu respeito.
Mas quando chegar minha vez, e minha vez está vindo a galope, não me chamem de queridinha, de filhinha. Estarei mais frágil, mas ainda serei uma mulher. Não uma senhorinha miudinha e boazinha. Uma mulher, simplesmente.
Boa. E, às vezes, má.
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