sábado, 22 de abril de 2023


Gilmar Fraga / Agencia RBS

21/04/2023 - 09h00min

Martha Medeiros 

Julgo ofensivo tratar pessoas de 80 ou 90 anos como se fossem bebês. 

Aviso aos meus futuros cuidadores: tenho olhos, não olhinhos. Tenho boca, não boquinha. “Vamos cortar o cabelinho?” Essa pergunta foi feita num salão de beleza a uma mulher de 71 anos que trabalha, namora e está de viagem marcada para o Marrocos – não para a Disney

Mario Quintana era um poeta superlativo, que de franzino só tinha a aparência. Mas houve quem tentasse fazê-lo parecer menor do que era. Certa vez um figurão disse a ele: “Gostei muito dos seus versinhos”, no que Quintana rebateu: “Obrigada pela sua opiniãozinha”.

Dos hábitos que considero dispensáveis: falar com pessoas mais velhas usando diminutivos. Em sua defesa, o figurão que chamou os versos de Quintana de “versinhos” talvez alegasse que é assim que tratava a própria mãe, os próprios tios: “Dá aqui tua mãozinha”. “Veste teu casaquinho”. Em vez de assumir o sarcasmo, ele colocaria na conta da afeição e convenceria o júri. Mas a minha absolvição ele não receberia assim tão facilzinho.

Aviso aos meus futuros cuidadores: tenho olhos, não olhinhos. Tenho boca, não boquinha. Por mais bem intencionados que sejam estes profissionais, e sei que são, julgo ofensivo tratar pessoas de 80 ou 90 anos como se fossem bebês. Entendo que, se um idoso sofre de uma doença mental que o priva de tomar decisões, o processo de infantilização se impõe. Soaria duro dizer “abra a boca” antes de enfiar uma colher lá dentro. A pessoa realmente se tornou um bebê e é da nossa natureza adocicar o diálogo, se aproximar com suavidade.

Mas se a pessoa se alimenta, caminha, pensa, fala e vive com autonomia, como qualquer adulta, o fato de ter muita idade não é motivo para reduzir seu cotidiano a um minimundo. “Vamos cortar o cabelinho?” Essa pergunta foi feita num salão de beleza a uma mulher de 71 anos que trabalha, namora e está de viagem marcada para o Marrocos – não para a Disney.

Dentro de uma loja, a funcionária observa a cliente de 74 anos experimentar algumas roupas em frente ao espelho e a estimula: “O casaquinho vermelhinho ficou perfeitinho, vai levar?”. A cliente comprou à vista a jaqueta de couro vermelha e saiu com passos firmes em direção à caminhonete que deixou estacionada lá fora.

Quando tomei a primeira dose da vacina contra a covid, havia uma mulher de idade indefinida à minha frente na fila. Muitas rugas no rosto, cabelos brancos e um bíceps de quem frequentava a academia desde os 15. “Puxe a manguinha pra cima e me dê o bracinho”, disse a enfermeirazinha com a seringazinha na mão, como se o posto de saúde fosse um parque de diversões.

Enquete: idosos preferem este tratamento? “Qual o seu nomezinho?” “Tem um e-mailzinho pra enviarmos o resultado dos seus examezinhos?”. Caso se sintam acolhidos pelos diminutivos, todo meu respeito.

Mas quando chegar minha vez, e minha vez está vindo a galope, não me chamem de queridinha, de filhinha. Estarei mais frágil, mas ainda serei uma mulher. Não uma senhorinha miudinha e boazinha. Uma mulher, simplesmente.

Boa. E, às vezes, má.

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