quarta-feira, 5 de abril de 2023


05 DE ABRIL DE 2023
MÁRIO CORSO

Multiverso

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo levou sete Oscars, além do de melhor filme. Se você não gostou, não está só. A maioria do pessoal do cinema detestou. A tendência entre os intelectuais é a mesma. Alguns chegaram a esta conclusão mesmo sem ver do filme mais do que minutos. Logo, se você tem inclinação para alta cultura, é de bom-tom menosprezá-lo.

Eu gostei. O que me interessa, sendo bom ou mau filme, é a fantasia subterrânea. Se tantas pessoas se engatam nesta história - o filme fez muito sucesso -, algo de nós ela diz. Não é um filme fácil, não cabe em nenhum modo narrativo convencional, tem a velocidade irritante de um videogame e, ainda, temos que aceitar estarmos em um multiverso.

A ideia de multiverso, usada recentemente em filmes de super-heróis, não é nova. Anaximandro, no quarto século a.C., já falava em universos múltiplos. Nesta teoria, além do nosso universo, existiriam múltiplos em paralelo, e em cada um nossa vida seria diferente. Recentemente, esta especulação ganhou contornos pseudocientíficos, geralmente dentro de um caldo de mecânica quântica. A tentativa é dar ar de seriedade para algo sem evidências.

Essa crença pega, como pega qualquer uma que prometa-nos mais vida. O conhecimento da finitude ofende nosso ego, por isso conjecturas que ampliem nossa existência são bem-vindas. Com o multiverso nos tornamos plurais, viveríamos simultaneamente em outros mundos. A vida é curta, mas teríamos muitas!

O filme é uma comédia insana em que a protagonista, uma chinesa na meia-idade, vive um casamento em crise e tem que administrar sua filha gay e seu pai ultraconservador enquanto seu negócio é questionado pela receita federal. É chamada para uma missão em seu multiverso. Necessita pular entre suas outras vidas para salvar os mundos e seus problemas aqui.

Eu acredito no multiverso interno, constituído pelas vidas que não vivemos. Sempre que escolhemos algo, abrimos mão de outras possibilidades. Neuroticamente, duvidamos se a escolha foi a melhor. E se eu tivesse casado com fulano(a) e não beltrano(a)? Se tivesse me separado? Se tivesse outra profissão? Se eu não tivesse abortado? Se eu tivesse abortado?

Temos enterrados em nós lutos por esquinas da vida que não dobramos. Somos assombrados por cavalos encilhados em que não montamos. Nossa história é de feitos, mas costurados a um multiverso que contém nossas vidas que não aconteceram.

MÁRIO CORSO

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