Futebolzinho com o filho
Talvez envelhecer seja exatamente o momento em que o seu filho finge que jogou às ganhas e cede as vitórias para você. Quando Vicente, meu filho, era pequeno, na faixa dos cinco aos oito anos, eu deixava ele ganhar. Jogávamos futebol em pequenas goleiras no terraço do apartamento. Facilitava seus gols, levantava o pé, fugia das divididas, demorava para voltar na corrida para defesa, tropeçava na bola, errava uma finta, chutava na trave de propósito.
Ele me superava em qualquer partida, colecionava títulos, vivia inigualável invencibilidade. Eu fazia questão do placar ser apertado, para parecer mais confiável e real. Não gostaria que ele pensasse que entregava o resultado. Ficaria furioso comigo. Portanto, não sofria goleadas. Dedicava-me a controlar a partida de modo parelho e cedia o escore somente no finalzinho, no último minuto, gerando emoção, alívio e comemoração da parte dele.
Jantávamos, suados, lembrando de seus melhores momentos, naquela reprise de nossas alegrias ao redor da mesa. Depois que ele cresceu, pelos 11 e 12 anos, minha estratégia parou de funcionar. Passei a me esforçar mais e encenar menos. Algo mudou na nossa dinâmica. O que havia planejado não acontecia como antes. Se eu reduzia o passo, ele também parava. Se eu me atrapalhava, ele dava espaço. Se eu me escondia com a bola no canto da parede, ele esperava.
A princípio, pensei que migrávamos para um duelo mental, de boxeadores estudando o seu adversário e aguardando com paciência a abertura para o golpe derradeiro. Só que, sem imaginar, marcava gols inesperadas, gols arrebatadores, gols mágicos, gols espíritas. Nem mais entendia o que tinha feito.
Estranhamente, por mais que quisesse garantir a sua alegria, por mais que tentasse sustentar a figura de protetor generoso, por mais que buscasse abdicar do topo do pódio, eu acabava vencendo. Mas Vicente não se mostrava chateado, ou emburrado com o seu fracasso. Pelo contrário, vinha me cumprimentar oferecendo tapinhas nas costas e parabenizando pela minha atuação.
Jurei que ele tinha aprendido a perder, conseguindo alcançar uma nova etapa de sua evolução e maturidade. Não era isso. Com a frequência de nossas disputas e a monotonia agora de meus triunfos, descobri que existia a inversão dos cuidados.
Ele começou a me deixar ganhar. Começou a ter pena de mim. Começou a perceber a disputa desigual, que eu não apresentava mais perna e fôlego para acompanhá-lo. Assim facilitava a minha vantagem e ainda simulava que tinha dado tudo de si. Talvez envelhecer seja exatamente o momento em que o seu filho finge que jogou às ganhas e cede as vitórias para você.
Ou no futebol ou no jogo de cartas ou nos dados. Ele torna-se o seu pai. Se você anda ganhando todas as brincadeiras, já sabe.
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