quinta-feira, 8 de dezembro de 2022


06 DE DEZEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

Revisão da vida toda

Leio e ouço que o Supremo Tribunal Federal autorizou parcela da população jubilada a refazer cálculos de contribuições previdenciárias com o propósito de ajuste de aposentadorias. O curioso é que o recálculo ganhou um apelido emblemático, que não desperta apenas a esperança de retorno mais justo para os trabalhadores, mas também a imaginação deste escriba: Revisão da Vida Toda.

Ah, se isso fosse possível!

Muita gente chega ao final da vida afirmando que não mudaria uma vírgula na sua história pessoal.

- Eu faria tudo igualzinho outra vez! - dizem os famosos e os nem tanto, quando alguém lhes questiona sobre uma hipotética volta às origens ou ao início da carreira.

Louvo tamanha autoestima, mas sempre vejo uma ponta de arrogância nisso. Quem nunca tropeçou quando estava aprendendo a andar? Quem nunca disse uma palavra impensada para alguém que não merecia ouvi-la? Quem nunca fez escolhas equivocadas? Quem nunca cometeu desatenção com seus afetos? Quem nunca deixou o cavalo encilhado passar? Quem nunca fingiu ser o que não é?

Procurando bem, todo mundo tem pereba... - como diz a genial composição de Chico Buarque e Edu Lobo, interpretada por Adriana Calcanhoto. Até a bailarina, ouso dizer. Somos humanos e nada que é humano nos pode soar estranho. Além disso, errar não é apenas humano, mas também necessário para o nosso aprendizado e para o nosso aperfeiçoamento.

Se temos uma oportunidade de rever o passado, por que não conferir se todas as vírgulas da vida foram bem colocadas? Incorporo Quintana, para melhor me fazer entender. Se você não sabe, uma vírgula pode ser uma confissão. Se você não sabe uma vírgula, pode ser uma confissão.

De minha parte, confesso que gostaria demais de poder fazer uma revisão da vida toda para corrigir (e reparar) erros cometidos. Se me fosse dada outra oportunidade, eu não jogaria pelo caminho a casca dourada e inútil das horas, até mesmo porque seria uma desconsideração com o pessoal da limpeza pública. Descartaria, isso sim, os momentos em que me julguei conhecedor da verdade sem levar em conta a verdade dos outros.

Mas é provável que eu voltasse a cometer pelos menos uma dessas arrogâncias que referi acima. Acho que me apaixonaria novamente pelos mesmos amores e pelos mesmos amigos, não pela pretensão de estar certo, mas apenas pela sensação de desfrutá-los como se fosse a primeira vez.

NÍLSON SOUZA

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