quinta-feira, 8 de dezembro de 2022


06 DE DEZEMBRO DE 2022
CARLOS GERBASE

Uma artista entre o passado e o futuro

Todos sabemos que só existe o presente. Os demais tempos são invenções da mente humana, que armazena memórias e faz exercícios de imaginação. Chamamos de artistas aos seres que usam essas capacidades extraordinárias para dar sentido às próprias vidas e às da coletividade em sua volta. Quando uma artista como Rochelle Costi nos deixa, fica uma sensação de vácuo, que contamina cada instante do presente. 

O melhor remédio contra esse triste vazio é a própria arte. Desde que recebi a notícia do falecimento da Rochelle, lembro dos momentos de criação que compartilhamos em Porto Alegre na década de 1980. Depois disso, já em São Paulo, ela se tornou uma artista de fama nacional e internacional. Basta abrir o Google para conhecer o poder de sua obra, que parte da fotografia, mas dialoga com várias outras linguagens, em especial instalações com elementos visuais do cotidiano.

Na minha memória, contudo, inevitavelmente ficaram marcadas as fotos para as capas dos discos d?Os Replicantes. Primeiro em 1985, no compacto duplo com quatro músicas que, para as novas gerações, deve parecer um objeto de outra galáxia, ou vindo de quinta dimensão. O cenário foi a concha acústica do Auditório Araújo Vianna antes das reformas e da cobertura de lona. Uma linda estrutura de concreto aparente, construída em 1963, que abrigou centenas de shows musicais com baixo custo de produção. 

A grande sacada de Rochelle foi fazer uma montagem com duas fotos da banda no palco, deixando uma delas de ponta-cabeça, de modo que a concha "fechou-se", adquirindo um aspecto futurista. Tudo num preto-e-branco bem contrastado. A partir da arquitetura de ontem, Rochelle projetou um amanhã. Esse disquinho, hoje, é alvo de muitos colecionadores. Não só pelas músicas: a capa também é obra de arte.

Nos anos seguintes, Rochelle participou do primeiro clipe em VHS do rock gaúcho, com a música Nicotina, e fotografou as capas de dois LPs. Em O Futuro É Vortex, escolheu como cenário uma das cúpulas do Hotel Majestic (hoje Casa de Cultura Mario Quintana), imponente prédio de 1918 que estava abandonado, quase em ruínas. 

Novamente partiu de signos do passado, como as elegantes colunas duplas e o teto circular. Com a ajuda de iluminação colorida em tons azuis e vermelhos, projetou um futuro distópico que tinha tudo a ver com a estética da banda. Em centenas de fotos de divulgação, também contribuiu para marcar a nossa identidade, tornando-se uma Replicante honorária que jamais será esquecida. Entre o passado e o futuro, está o reino mágico e sempre presente de Rochelle Costi.

CARLOS GERBASE

Nenhum comentário: