03 DE DEZEMBRO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL
VENDILHÕES!
Esse termo aparece no evangelho de João, 2:13-22, na cena da limpeza do templo, em que o personagem bíblico Jesus Cristo expulsa vendedores (tous polountas, 2:13) e cambistas (tous kermatistas, 2:14 e tous kollibystous, 2:15) do templo de Jerusalém. Por vez única no texto bíblico, Jesus usa força bruta, com um chicote feito de cordas (João, 2:15) ou, na escrita de Mateus (21:12-13), derrubando as mesas e cadeiras dos cambistas e vendedores de pombas, que para este autor faziam do templo um covil de bandidos (spélaion léston, 21:13). Se a literatura bíblica tem valor alegórico, além de fábulas antigas pode referir algo do nosso universo histórico, e animar as perguntas: quem são os vendilhões atuais? Que fazer com eles?
Encabeçam essa lista os pastores que misturam fé, religião, política e negócios escusos para extrair recursos dos crentes e do Estado, em empresas suspeitas. Muitas religiões cristãs, mormente as pentecostais, o fazem desde sempre, como parte de sua mecânica e de sua complexa atuação histórica, em que se incluem lobos entre ovelhas. Hoje, todavia, mercê de isenções fiscais exageradas e de proselitismo político abusivo, este quadro supurou.
Forrada de dinheiro, há mala, falha a justiça. Esses elementos agridem a república, a democracia, a modernidade e a fé ingênua de milhões de pessoas cultural e economicamente frágeis. Parte da crise recente, que quase matou este país, é devida a esses vendilhões, e o saneamento da pátria não pode perdê-los de vista.
Caso igualmente grave é o dos privatistas, que tomam o patrimônio público, difícil de obter e árduo de gerir, para variadas formas de negociatas. Vendilhões atuais pretendem passar nos cobres recantos nobres de liberdade e vida, como os parques de nossa cidade, e empresas com notória função social e desempenho admirável. Eis o que ora assombra Porto Alegre, diante da absurda ameaça do prefeito Sebastião Melo de privatizar a Redenção e outros parques.
Começou com a cafonice ímpar de colocar lanchonetes na área do antigo orquidário, agredindo a natureza de um parque para atender a filisteus esfomeados e premiar gananciosos com preciosa área pública. Depois disso, e mesmo diante da contrariedade das pessoas sensatas, da voz do Cara da Sunga e amigos e da unânime condenação em audiências públicas, avançam com essa proposta em tudo nociva para a cidade, privatizar nosso precioso parque, sem qualquer ganho para o povo. É oportuno lembrar que a privatização da CEEE foi uma catástrofe, com grave perda patrimonial e severa degradação dos serviços, destino ora prometido por Melo ao Dmae e à Carris e por Eduardo Leite à Corsan.
É parte das obrigações dos mandatários eleitos administrar os bens públicos. Que se esmerem na realização de suas responsabilidades, sem fugir delas com expedientes insensatos. Sabemos que há uma ideologia rapineira que os conduz, o neoliberalismo, e boiada útil que saúda essa imoralidade como se modernidade fosse, quando nada mais é que confissão de incompetência, com irresponsabilidade, e de cativeiro ideológico, com fanatismo. Xô, vendilhões!
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