quarta-feira, 1 de abril de 2020



01 DE ABRIL DE 2020
+ ECONOMIA

"O governo está completamente atrasado e incrivelmente inerte nessa crise inédita"

ENTREVISTA: Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute

Monica de Bolle foi uma das primeiras economistas brasileiras a defender imediata e massiva intervenção do governo para conter o impacto econômico do coronavírus. Teve parte de sua formação na chamada Casa das Garças, centro do pensamento que, no passado recente, foi chamado de neoliberal no Brasil. Escreveu um livro, Como Matar a Borboleta Azul, com duras críticas à gestão fiscal no governo Dilma Rousseff e hoje vive perto de Washington, onde atua como pesquisadora sênior no Peterson Institute for International Economics. Na véspera da entrevista, Monica trocou o isolamento voluntário pelo obrigatório, por ordem do governo do Estado de Maryland, onde vive, perto da capital americana. Exasperada com a demora e a timidez das medidas de apoio econômico no Brasil, vê o governo "atrasado" e "inerte".

Você foi uma das primeiras a apontar a necessidade de intervenção pesada do governo. O que viu antes?

Não só no Brasil, as pessoas demoraram a entender que, para projetar a crise na economia, era preciso entender o que ocorreria na saúde pública. Desde a eclosão na China, passei a ler artigos científicos sobre a doença. Chamou atenção o fato de que as pessoas ficavam um tempo enorme nos hospitais. O nome, SARS-CoV-2 faz referência à Síndrome Respiratória Aguda, doença que acometeu a China e outros países asiáticos entre 2002 e 2003. Só que, desta vez, com grau de contágio imenso e sem imunidade ao vírus. 

Como as medidas para conter foram quarentenas rígidas, percebi que estávamos lidando com uma situação inédita na saúde, com impacto brutal na economia. Para mim, o cenário ficou claro no início de fevereiro. Com a parada súbita da economia e o vácuo deixado pelo setor privado, o suporte deveria de ser dado pelos governos. Teriam de ter uma resposta massiva na saúde, na proteção social, no amparo às empresas e aos bancos para evitar uma crise financeira. Inicialmente, fui muito criticada por essas posições, até de forma bem deselegante por parte de alguns economistas. Agora, formou-se certo consenso.

Como avalia as medidas adotadas pelo governo brasileiro?

O governo brasileiro está completamente atrasado e incrivelmente inerte nessa crise inédita. São insuficientes. A primeira medida que deveria ter sido tomada, assim que foi declarada a calamidade pública, que suspende todas as restrições previstas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é a liberação de um caminhão de recursos para o SUS, de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões. Não chegou nem perto disso, fala-se de em R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões. Depois, tem a rede de proteção social, que o governo quer dizer que fez, mas na realidade quem fez foi o Congresso, ao aprovar uma renda básica emergencial para atender pessoas desassistidas, em particular informais e autônomos, também permite que pessoas que recebem Bolsa Família migrem para esse programa de renda básica, que não tem condicionantes. Agora o governo precisa desenvolver uma logística de cadastro e de recebimento do benefício. Já era para estar pronto. 

O governo nada fez para se preparar, e as pessoas não têm como receber o benefício, que é um escândalo de inércia nessa situação calamitosa que estamos. Também é preciso adotar medidas para sustentação das empresas, o Banco Central se mexeu, mas o governo ainda bate cabeça. Agora se fala em medida provisória para diminuir a jornada e reduzir salário. Isso é um absurdo, não é o momento de reduzir salário, é de uma bobagem inominável. Nenhum outro país está tomando esse tipo de medida, nem aqui nos Estados Unidos. Precisaríamos de uma linha de ação coordenada com Banco Central, bancos públicos e Ministério da Economia. Porém, estamos em absoluta desarticulação. O custo para a população e para a economia será enorme.

Cobrar ajuda pública não é inesperado de uma economista de formação liberal?

Meu conhecimento teórico e prático é de que crises são momentos em que a economia, por choques internos ou externos, como uma crise de saúde pública, fica desequilibrada. Portanto, são momentos em que esses rótulos de liberal, heterodoxo, não cabem O que importa é tomar as medidas necessárias. Quanto mais demorar, mais grave será a crise que a sociedade terá de enfrentar. Liberalismo não é incompatível, como muita gente pensa, com gastos sociais. Um dos princípios é dar igualdade às pessoas no ponto de partida.

O Brasil terá pós-crise mais complicado, por estar frágil?

O mundo inteiro estará em uma situação fiscal, digamos, complicada. O peso da dívida sobre o PIB estará mais alto em todos os países. É verdade que estamos uma situação mais frágil, mas a Itália também. Não é diferente do que o mundo viveu no pós-guerra. Houve um pico imenso de dívidas e, para facilitar a reconstrução, surgiu o multilateralismo. Vejo o pós-crise de forma semelhante. Acredito firmemente que o mundo terá de trabalhar de forma coordenada para resolver seus problemas Será voltado para a construção de uma rede de proteção social. Essa crise e a epidemia expõe que a solidez da economia de um país, seja ele qual for, a economia é tão sólida quanto a parcela da população mais vulnerável, a sua economia como um todo é extremamente vulnerável.

A nossa parte #juntoscontraovírus | Construtora não demitirá por 60 dias

Gigante da construção civil nacional, a MRV se comprometeu a dar estabilidade no emprego a seus colaboradores diretos nos próximos 60 dias. Além da construtora, outra empresa controlada pela família Menin, a LOG CP, também assegura que não demitirá nos próximos dois meses.

Com várias obras no Estado, a MRV usa muitos empreiteiros terceirizados para executá-las, conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Porto Alegre (STICC), Gelson Santana. Como o compromisso se refere apenas a "colaboradores diretos", não representa um número de empregos tão grande quanto poderia alcançar caso incluísse todos os trabalhadores.

Outra grande empregadora, a Lojas Renner, também afirmou à coluna que não vai demitir, "por enquanto". Comprometeram-se com manutenção de empregos durante a pandemia, ainda, os bancos Santander e Itaú Unibano e a Natura.

No Rio Grande do Sul, mais da metade das Indústrias enfrentam cancelamento de pedidos e encomendas (51,8%), conforme pesquisa da FIERGS. Uma parcela ainda maior, 57,4%, paralisaram a produção. No Estado, só 6,7% tiveram aumento de demanda, nos segmentos Alimentício, Químico, Farmoquímico e Farmacêutico.

O tamanho do caixa das gaúchas

O ativo mais valorizado pela crise não é o ouro, é o caixa. Empresas que têm essa disponibilidade imediata de recursos apresentam maior resistência ao contágio econômico do coronavírus.

Para fazer uma fotografia da situação das maiores companhias de capital aberto do Estado, a coluna teve ajuda de Laís Fracasso, sócia da corretora Fundamenta. Ela adverte que a projeção é uma simplificação, porque usa dados e comportamentos de 2019, portanto anteriores à crise da covid-19. Também não leva em conta medidas já adotadas de proteção de caixa, como redução de despesas, já relatada à coluna pela Lojas Renner, por exemplo. Há, ainda, dois casos com exceções específicas. No caso da Dimed/Panvel, que ainda divulgou os resultados completos do ano, foram considerados os dados até o terceiro trimestre.

No caso da Grendene, lembra que o caixa aparentemente abundante é resultado dos incentivos fiscais que a calçadista tem no Nordeste, com restrições de aplicação. Feitas essas ponderações, o resultado é de que, na média, as maiores empresas gaúchas têm caixa para suportar dois meses de custos, despesas e dívida.

MARTA SFREDO

Nenhum comentário: