Da geração do Fórum Social, governador do RS se diz liberal desde os 16
Eduardo Leite, 34, atrai atenções do mercado por defesa de reformas; adesão à recuperação fiscal da União não deslancha
PORTO ALEGRE
O aniversário de 16 anos foi uma data marcante para Eduardo Leite, 34, governador do Rio Grande do Sul. Natural de Pelotas, ele lembra da ocasião não tanto pela comemoração, mas por causa do que a idade alcançada permitiu. “Fiz aniversário no sábado e na segunda-feira fiz meu título de eleitor. Pouco depois me filiei ao PSDB.”
Há um ano, desde que assumiu o governo gaúcho —que enfrenta uma das piores realidades fiscais do país—, Leite defende uma agenda de privatizações e concessões à iniciativa privada e reforma administrativa para tentar tirar o estado do vermelho.
Conseguiu aprovar, em dezembro, alíquotas de contribuição que passarão a ser cobradas de servidores já aposentados. Antes, recebeu também o aval da Assembleia Legislativa para privatizar estatais, incluindo a CEEE, companhia estadual de energia.
As medidas não são consenso entre os gaúchos, e a greve de professores iniciada no segundo semestre se estende neste começo de 2020, mesmo durante as férias escolares.
O governador enfrentou no final de 2019 protestos também de policiais, técnicos e miliares, e há ainda um contingente de críticos que enxergam as medidas como antigas, semelhantes à gestão anterior, de José Ivo Sartori (MDB), e a de Antônio Britto (MDB).
Governador de 1995 a 1999, Britto firmou o contrato da dívida gaúcha com a União, considerada impagável. Já no governo Sartori foi quando começaram os parcelamentos de salários de servidores, que ocorrem há mais de 50 meses.
Leite atrai, porém, a simpatia do mercado em busca de um perfil liberal.
O governador mais jovem do país nunca mudou de legenda. “Entre os partidos existentes, o PSDB é o que melhor representa minha visão ideológica. Do ponto de vista econômico, tem uma visão mais liberal e aberta ao privado, reconhece quando o governo não é um bom gestor em determinada área e assim aceita fazer concessões e privatizações”, explica.
Isso não significa concordar com todos rumos da legenda tucana, garante. “O partido errou na condução interna de alguns assuntos”, diz.
O governador, em entrevista anterior à Folha, já havia dito que se sentia frustrado por Aécio Neves não ter sido expulso da sigla após a divulgação de gravação do mineiro pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista.
Leite é formado em direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Depois de ser prefeito da sua cidade natal (2013-2017) e antes de concorrer a governador, passou uma temporada em Nova York para estudar gestão pública na Universidade de Columbia como aluno visitante. No Brasil, iniciou um mestrado na mesma área, pela FGV.
Um dos livros lidos mais recentemente pelo gaúcho é “Reforma da Previdência — Por Que o Brasil Não Pode Esperar?” (2018, Elsevier), de Paulo Tafner e Pedro Nery.
“Não me lanço como autoridade em economia. Mas, principalmente por causa da experiência como prefeito, precisei estar atento a temas fiscais e ao comportamento do mercado”, afirma.
Leite abriu o voto para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no segundo turno e já disse não ter se arrependido do gesto. Também aprova as medidas do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Vivendo a juventude nos anos 2000, em uma década que marcou o Rio Grande do Sul com sucessivas edições do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, ligado a movimentos sociais e pautas da esquerda, Leite nunca frequentou o evento.
“Fui justamente no evento com outro ponto de vista ideológico, o Fórum da Liberdade. Quando tinha 19 anos, em 2004, estive na edição com a presença do Fernando Henrique Cardoso”, conta.
O ex-presidente é uma figura de referência para o governador. “Admiro desde pequeno. Lembro que pedia para meu pai pegar material de campanha para levar ao colégio, assistia aos programas eleitorais, analisava o conteúdo.”
“FHC foi um presidente muito importante na estabilização da economia e da política institucional depois do regime militar. Na redemocratização, ele foi o primeiro presidente a acabar um mandato. No seu governo iniciaram também importantes programas sociais”, opina.
Morando na ala residencial do Palácio Piratini, sede do governo, Leite diz acreditar que a área social é onde o Estado precisa estar presente.
“O Estado tem papel regulador e fiscalizador. Também em serviços relevantes de interesse público, especialmente em um país como o Brasil, com um abismo social. Não dá para dizer que o mercado vai se encarregar de tudo”, diz.
“Temos uma população que ficou marginalizada, que não teve acesso à educação, que tem baixo nível de formação. Marginalizados que foram, precisam ter apoio do Estado para sua subsistência.”
O governo gaúcho deve vender três estatais (energia, mineração e gás), mas quer poupar o Banrisul, o principal banco do estado.
Lucrando milhões, a venda do Banrisul, com valor estimado de R$ 8 bilhões, não resolveria o déficit do estado a longo prazo, diz Leite. Para ele, sua postura de preservar o banco não é incoerente.
“A crise fiscal que enfrentamos é muito profunda. A venda injetaria recursos extraordinários e geraria a falsa percepção de ordem nas contas e, ali na frente, estaríamos diante do precipício. Enfrentar a causa do déficit é um caminho mais difícil. Se gastamos mais do que arrecadamos, preciso atacar o gasto, que notadamente é a folha de pagamento”, justifica.
A venda de estatais é uma das exigências feitas pelo governo federal para que estados possam aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, programa para ajudar a sanear as contas de estados endividados.
Ainda que o estado seja liberado de pagar a dívida com a União por três anos, prorrogáveis por mais três, a dívida voltará a ser cobrada após esse período, em valor ainda maior.
“Do ponto de vista do cálculo financeiro propriamente dito, é inegável que o regime coloca o problema para frente porque vai continuar rolando a dívida. Vai empurrar o pagamento para frente”, afirma Róber Iturriet Ávila, professor de economia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Para o professor, o estado deveria fazer uma nova revisão da dívida e cobrar os dividendos da Lei Kandir.
Calcula-se que a União deva R$ 50 bilhões em compensações para o Rio Grande do Sul.
Eduardo Leite teve reuniões no final de 2019 com o ministro Paulo Guedes, mas o estado virou o ano sem apresentar um plano definitivo de adesão ao regime de recuperação.
O governador diz estar ciente das dificuldades do estado e planeja um legado ao fim do mandato: “Quando terminei minha gestão em Pelotas, pude comprovar que ser prefeito não é resolver todos problemas, mas apresentar soluções e dar boas perspectivas.”
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