04 DE JANEIRO DE 2020
VARIANDO
Pensando bêbados
Heródoto nos conta sobre uma peculiar maneira de pensar dos persas. Vale lembrar que, na época do comentário, eles eram o maior império do planeta. Quando tinham uma importante decisão a tomar, ficavam de porre e discutiam a questão. Depois, já sóbrios, examinavam melhor o que tinham pensado.
Logicamente são três momentos: bêbados, sóbrios e o terceiro seria a síntese que compara os argumentos de uma e outra forma de pensar. Enfim, uma inusual forma de pensar decisões.
Não consigo imaginar hoje uma corporação, ou um governo, agindo assim: "Amanhã vamos pensar a estratégia de vendas para o ano. Quem não gostar de vodca, que a firma oferece, pode trazer de casa sua bebida. Recomendam-se destilados".
Imagine no outro dia, já hidratada e parcialmente refeita, a mesma turma reexaminando as propostas etílicas. Classificando o que é pura fantasia do que seria factível. O que é uma ofensa ao bom senso, do que pode ser um pensamento original. Seria no mínimo divertido.
Apesar da antiga expressão "in vino veritas est" (a verdade está no vinho), não acreditamos no poder do pensamento alcoólico. Mas a melhor pergunta é: o vinho traz a verdade? Caso sim, qual?
O álcool atua como um depressor do sistema nervoso. Ele deprime primeiro o centro inibidor, por isso o paradoxo da euforia do início do efeito, antes de cair a chave-geral. No começo do porre, ficamos corajosos, audazes, impulsivos. Talvez nesse estado possamos falar de nossos recônditos desejos, sonhar com uma realidade melhor, deixar brotar utopias descabidas. Pensar fora da caixa, para usar o vocabulário da moda.
Talvez nossa desconfiança seja por causa do agir bêbado, que facilmente pode ser desastroso. E algumas "verdades" são apenas a deixa para nossos preconceitos. A verdade que vem do álcool é algo que queremos esconder dos outros, ou de nós mesmos. É provável que a origem do ditado latino seja mais quando damos de beber aos desafetos, para que a língua os traia e saibamos das verdadeiras intenções, do que um conselho filosófico.
Toda droga rouba energia do futuro. Depois do excesso, vem a conta: a depressão física e psíquica, as patéticas promessas de não mais beber, a vergonha das besteiras feitas, a culpa por termos machucado pessoas queridas. A ressaca é a aterrissagem forçada depois do voo eufórico. A lama depois da purpurina.
Sinceramente, não creio no conselho persa. Salvo que eles soubessem que há mais da nossa verdade no mal-estar angustiado da ressaca do que no arrebatamento etílico, e que isso fizesse parte do plano filosófico. Que a humilhação de rezar ajoelhado frente à deusa da porcelana estivesse incluída no método. Pensar com as entranhas exaustas nos devolve ao nosso tamanho, a dimensão humana bruta e enxuta. Quem sabe fosse isso...
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