sábado, 4 de janeiro de 2020



04 DE JANEIRO DE 2020
MARTHA MEDEIROS

História de um casamento

Era dezembro de 2005. Um casal de amigos que mora em São Paulo estava em Porto Alegre para as festas de fim de ano e veio nos visitar. Ao chegarem, nos abraçamos e fomos para a sacada do edifício, a noite estava inspiradora. Botamos música, abrimos um espumante e então eles perguntaram: "E aí, quais as novidades?". Meu marido me abraçou, sorrimos um para o outro e comunicamos: "vamos nos separar".

O casal ficou uns 10 minutos com o queixo no pé, só podia ser piada. Mas não. Havíamos decidido encerrar o casamento um mês antes e só estávamos esperando passar os festejos para colocar o novo acordo em prática. Avisamos as crianças no início de janeiro (a parte mais difícil), e assim que a ideia foi assimilada, saímos todos juntos em busca de um apê para o papai. Em fevereiro a nova vida começou. Contratamos a mesma advogada quando efetivamos o divórcio. Até hoje meu ex almoça aqui em casa de vez em quando.

Claro que houve sofrimento até a tomada da decisão, mas, uma vez decidido, o processo foi tão tranquilo que parecia ficção. Bem diferente do filme História de um Casamento, que neste domingo deverá levar alguns prêmios na entrega do Globo de Ouro, e que dói de tão real. Ali estão as cenas comuns à maioria dos desenlaces conjugais.

Se um rompimento já é doloroso por si só, torna-se trágico quando há disputa de bens ou filhos - ou ambos, pra desgraça ser completa. No filme, a questão envolve dois domicílios em cidades longínquas e uma única criança: como repartir a guarda de forma justa? Não havendo consenso, a guerra começa, e ela é sempre suja.

Scarlett Johansson e Adam Driver formam um casal verossímil: trabalham juntos, são boa gente e amam o filho Henry. Ao decidirem pela separação, acreditam que irão resolver as pendências de forma amigável, mas aos poucos as mágoas vão saindo por olhos e bocas. Reaquecem-se antigas queixas e desejos sublimados - é a hora da verdade. As concessões feitas durante a relação aparecem para o confronto. 

Para decretar quem tem razão (e nesses casos, todos têm e ninguém têm, não de forma absoluta), contratam-se advogados que precisam ser inescrupulosos se quiserem ganhar a causa para seu cliente. Vira um festival de golpes baixos, acusações exageradas, intimidade invadida. É constrangedor ver a pessoa que você amou ser humilhada em frente a um juiz, sendo acusada por erros que eram humanos, faziam parte da história. Mas, num litígio, não existe condescendência: todas as lanças estão envenenadas.

Uma separação civilizada e, se possível, afetiva: nossos filhos merecem essa delicadeza de nossa parte. Um final feliz, por que não? Nem sempre o amor precisa terminar em drama.

MARTHA MEDEIROS

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