04 DE DEZEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
Uma história de amor
Lucas é nome de adolescente. Há muitos jovens Lucas por aí e é de um deles que quero falar. Mas Lucas é também nome antigo, vindo do mais famoso de todos, o evangelista, o chamado médico de homens e de almas.
Aquele Lucas não conheceu seu biografado, Jesus, mas foi amigo de Paulo e de alguns apóstolos. Escreveu sua história depois do ano 70 e o fez com competência: o texto tem graça literária e coerência histórica.
Uma das preciosidades do Evangelho de Lucas é que dele foi extraída a mais bela das orações, um verdadeiro poema colhido da prosa. Assim: segundo Lucas, o arcanjo Gabriel entrou na casa de Maria e a saudou:
- Ave, Maria! Alegra-te, cheia de graça, porque o Senhor está convosco. Foi então que o anjo anunciou a Maria que ela conceberia um filho. Mais tarde, ela foi visitar sua prima Isabel, que também estava grávida. Ao ouvir o cumprimento de Maria, Isabel sentiu que o menino que carregava pulou de alegria e exclamou:
- Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Maria respondeu com outra grande oração do catolicismo, o Magnificat.
Tudo isso é obra de Lucas. O outro Lucas, aquele de quem quero falar, é, como indica o nome, um rapaz mal saído da adolescência - está com 20 anos de idade. Segunda-feira, ele entrou no estúdio do Timeline, da Gaúcha, como entraria qualquer jovem da sua geração: debaixo de um boné, dentro de uma camiseta, atrás de um sorriso. Ele não havia feito nada de realmente importante para ser entrevistado na rádio. Não estava lá para defender causa alguma, não portava nenhuma bandeira, ele nem sequer ocupa um cargo público. Mas Lucas fez algo interessante - o jornalismo é assim, lida com coisas importantes e também com as interessantes.
Isso que Lucas fez tem a ver com a história contada pelo outro Lucas, o evangelista, que escreveu, afinal de contas, sobre relações familiares, casos de mães e seus filhos e primas e pais.
O Lucas atual tem um avô que está sofrendo de Alzheimer. Como ele gosta de tocar violão, compôs uma música para o avô, declarando o seu amor e pedindo:
"Vê se não me esquece mais?"
Lucas cantou a canção algumas vezes em seu quarto. Uma tarde, quando ia ao banheiro, caminhava pelo corredor e ouviu que o avô, da sala, a cantava também. Ficou encantado. Como é que, com Alzheimer, ele havia decorado a letra?
- Temos que registrar isso, vô! - disse, entusiasmado.
Ligou o celular, gravou um videozinho e postou na internet. Viralizou. A cena dos dois cantando lado a lado, sorrindo, é linda, porque se nota a felicidade de ambos.
No Timeline, Lucas repetiu o quanto gosta do avô e o fez com tanta emoção que quase foi às lágrimas. Foi bom ouvi-lo. Um guri de 20 anos. Poderia se deixar levar pelo cinismo juvenil, mas não, ali estava um coração puro.
Entrevistamos tanta gente que se acha importante num programa de rádio? Ministros, deputados, especialistas em sabe-se lá o que, pessoas cheias de certezas e cheias de si mesmas, tanta gente grave, e, numa segunda-feira qualquer, o que de fato nos toca é saber que um neto se importa com seu avô. Uma história de amor. Pode parecer singelo, pode parecer apenas interessante, mas será que existe mesmo algo que seja mais importante?
DAVID COIMBRA
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