02 DE DEZEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
A sogra do meu amigo
Eu tinha uma sogra que, suspeito, não gostava de mim. Foi uma exceção, preciso dizer. Me dei bem com todas as minhas sogras e a atual e definitiva, Ana Maria, é uma das pessoas mais doces que já conheci, nós somos muito amigos, jamais nos desentendemos e jamais nos desentenderemos.
Mas aquela sogra antiga? Nela eu notava uma suave implicância comigo. Não era algo escancarado, como acontecia com um amigo de infância meu, a quem a sogra só chamava de pangaré. A jararaca morava com ele e passava os dias provocando-o. Uma vez, numa segunda-feira, ele me ligou implorando:
- Vamos sair para beber algo, por favor? Tenho de desabafar.
Vi que a coisa era grave e fui. No bar, entre chopes e quadradinhos de sanduíche aberto, ele me contou que, no fim de semana, decidiu levar a mulher e as crianças para a praia. Mas, quando chegou ao carro para acomodar as malas, a sogra já estava lá, refestelada no banco de trás, reclamando:
- Estamos atrasados, pangaré. Ele continuou ajeitando as malas em silêncio. Saíram, enfim. No caminho, a sogra ia comentando: - Todo mundo ultrapassa esse pangaré. - Como é velho o carro desse pangaré.
- Por que, minha filha, tu tinha que casar com um pangaré?
Finalmente, chegaram a Tramandaí. É claro que choveu durante todo o fim de semana. Eles passaram dois dias trancados no apartamento, jogando canastra.
- E ela ganhou todas as partidas! - gemeu o meu amigo, batendo com a testa na mesa do bar, quase aos prantos. - Todas! Batia e gritava: - "Toma, pangaré!" E gargalhava feito uma bruxa.
Muito sofreu, o meu triste amigo. Não foi o meu caso, nem de longe. Minha ex-sogra nunca chegou a ser assim agressiva. Mas, certa vez, fui passar um feriadão de quatro dias na casa dela, no interior do Estado, e, logo que chegamos, sua primeira pergunta foi:
- Tem alguma comida de que tu não goste ou que tu não coma?
Respondi com uma frase que ensinaria ao meu filho, anos depois:
- Nós comemos de tudo! E completei: - Só de galinha que não gosto muito. Não sou exatamente um apreciador de aves?
Bem. Naquele almoço, ela botou diante de mim um prato de galinha com arroz. No jantar foi galinha frita. No dia seguinte, massa com galinha. Depois, bolo de galinha, galinha empanada, galinha ensopada, galinha à milanesa, galinha na cerveja, nunca pensei que houvesse tanto prato com galinha no mundo.
A partir daquele dia, concluí que minha sogra gostaria de ter outro genro. E, aliás, conseguiu, o que muito me apraz, tenho de ressaltar.
Lembrei dela agora, passados tantos anos, por causa de algo que ocorreu aqui, nos Estados Unidos, e que tem a ver com a alma americana e também com a brasileira. Mas vou contar amanhã. Espera um pouco, e faz isso enquanto come um bom bife, apesar do preço. Galinha, por favor, não.
DAVID COIMBRA
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