DAVID COIMBRA
Lula e Bolsonaro, Moro e Greenwald
É óbvio que as mensagens reveladas pelo site The Intercept são verdadeiras.
É óbvio que Moro tinha atuação coordenada com o Ministério Público.
Por que Moro fazia isso?
Também é óbvio: ele queria desmontar o sistema de
corrupção formado entre políticos e empreiteiros e colocar os culpados
na cadeia. Por essa razão, era imprescindível chegar a Lula ANTES da
eleição. Porque, se Lula se elegesse outra vez, a Lava-Jato, óbvio,
seria soterrada para sempre.
Foi nesse momento que a força-tarefa deparou com um
impasse: o caso do sítio de Atibaia eram uito mais robusto do que o do
triplex, as provas eram irrefutáveis, mas essa apuração só terminaria
DEPOIS da eleição. Moro vacilou: será que havia provas cabais em relação
ao triplex? O Ministério Público afiançou que sim e o caso foi a
julgamento. Tudo bem concertado com cê.
Lula não foi condenado injustamente. Ninguém, na Lava-Jato, o foi. Mas houve, sim, quase que um consórcio entre juiz e acusação.
Moro não fez o que fez por motivações políticas; fez
porque queria promover a justiça. Ou seja: foi mais justiceiro do que
juiz. Promoveu justiça? Parece que sim. Mas arranhou a lei.
Você pode perdoar esse pecado alegando que o objetivo
de punir a corrupção era maior, mas lembre-se de que os petistas perdoam
os pecados de Lula alegando que seu presumido objetivo, de ajudar os
pobres, também era maior. Você ainda pode dizer que Lula cometeu crimes,
enquanto Moro combateu crimes. Bom argumento, mas o óbvio continua
sendo o óbvio: Moro extrapolou o limite de suas atribuições.
Quanto ao site The Intercept e tantos outros do gênero,
eles praticam um tipo de jornalismo bastante questionável: o jornalismo
ativista. No caso das mensagens hackeadas, por exemplo, há 1 milhão
delas, segundo consta. Mas só um punhado veio a público, cada qual
escolhida com critério, revelada semanalmente, com o objetivo de
constranger Moro e Dallagnol e de lhes desgastar a imagem. E as
mensagens que são favoráveis a eles? Certamente há muitas, mas não são
publicadas porque existe segunda intenção na divulgação: uma intenção
política.
Mesmo assim, é preciso deixar claro que o Intercept não
comete ilegalidade alguma ao divulgar as mensagens. A publicação só
seria ilegal se o site houvesse contratado de alguma forma o serviço dos
hackers, o que, as investigações indicam, não aconteceu. Logo, as
ameaças de Bolsonaro a Glenn Greenwald atentam, sim, contra a liberdade
de imprensa, e há razão para a ABI protestar, como fez na terça à noite.
O curioso é que Bolsonaro, ao investir contra
Greenwald, o fortalece. Transforma-o em vítima. Essa ressalva, de que
Greenwald faz jornalismo engajado, torna-se irrelevante diante da
perseguição que um jornalista sofre de um chefe de Estado.
O jornalismo ativista, assim, se engrandece. Até porque
esse gênero de jornalismo caiu no gosto do público. É como se fosse uma
volta ao século 19, quando havia jornais como A Federação, que era o
veículo do Partido Republicano Rio-Grandense. A Federação fechou com o
advento do Estado Novo, em 1937, mas hoje, tantas décadas depois, é isso
que as pessoas pedem. Elas não procuram mais nem a intenção de isenção,
elas querem a assunção de um lado, elas querem ler notícias a favor de
quem elas gostam e contra quem elas não gostam.
Se você reler o que escrevi neste texto e os demais que
publiquei nesta semana, verá que fiz ressalvas acerca de todos os
personagens abordados, Lula, Bolsonaro, Moro e Greenwald. Tentei
compreender o que se deu com eles. Mas e daí? Quem quer saber de
ponderação? Quem admite o óbvio, quando o óbvio é a favor do outro?
Pouco importam as razões do outro, pouco importa qualquer consideração, o
que importa é o grupo com o qual as pessoas simpatizam. Elas são como
os terraplanistas, que acreditam que o mundo gira como um disco. E gira
mesmo: no sentido das trevas.
DAVID COIMBRA
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