sábado, 8 de agosto de 2015



09 de agosto de 2015 | N° 18253 
MOISÉS MENDES

Os filhos dos outros




Por onde andam, o que fazem e como dormem os três condenados pelo massacre de Alex Thomas, na praia de Atlântida, em fevereiro de 1986? Um jovem assassino de quase 30 anos atrás arrasta-se hoje como um adulto punido e atormentado, ou não é nada disso?


Por onde andarão daqui a três décadas os 16 rapazes sob suspeita de envolvimento no massacre de Ronei Wilson Jurkfitz Júnior, em Charqueadas, na madrugada de 1º de agosto? Alex foi morto aos 16 anos, Ronei tinha 17.

Que outros se encarreguem das respostas, porque – alguém vai dizer ao seu lado – linchadores não são do nosso meio. Nós somos normais. Linchadores são bárbaros, mesmo que um deles pretenda ser nosso vizinho.

Nós estamos aqui apenas para condená-los, como fazemos com os degoladores do Estado Islâmico e dos talibãs. Bárbaros, assim como corruptos, que só existem nos partidos dos outros, não são das nossas relações. E daqui a 30 anos estaremos nos indagando sobre tudo isso de novo, porque os que atacam em bandos são os filhos alheios.

Sou instigado, pelas dúvidas de colegas, a tentar refletir sobre o que se pensa hoje desses casos e sobre o que poderemos estar pensando daqui a alguns anos. O que as abordagens das mortes de Alex Thomas e Ronei Júnior terão de diferente em relação aos massacres e linchamentos de meados do século 21?

Busquei apoio no promotor do caso Alex Thomas, José Antônio Paganella Boschi, que depois foi desembargador e hoje é advogado criminalista. O júri ocorreu em 1988. Foram acusados de participação no crime de Atlântida quatro adultos e três menores da chamada Gangue da Matriz.

Os menores foram recolhidos à Febem. Um adulto foi absolvido. Dois adultos pegaram nove e oito anos em regime semiaberto. O outro, que deu a voadora com os pés no peito de Alex, provocando a morte por hemorragia interna, pegou 11 anos. Ficou três anos e oito meses preso.

As penas de todos foram reduzidas por um recurso aceito pela Justiça, que retirou o agravante do ataque de surpresa. A vítima e seus algozes teriam se desentendido antes do crime. Mas se discute até hoje se o julgamento foi justo.

O que aprendi um pouco mais depois da conversa com Boschi é que as expectativas transferidas para a reparação judicial, em circunstâncias como essa, nunca terão retorno capaz de acalmar até as nossas omissões. O Direito Penal é insuficiente nas respostas a quem quer saber se os culpados sofrerão o que merecem, se poderão se recuperar e se casos semelhantes serão evitados pelas deliberações da Justiça.

Se um júri frustrar nossas expectativas e se pudermos ficar lamentando as penas brandas (como foram as aplicadas aos assassinos de Alex), teremos a chance de atenuar nossas culpas. Até porque os violentos, que agem cotidianamente em casos menos noticiados, seriam de outras famílias, bairros e escolas.

Adolescentes educados para desprezar o sentido de comunidade, como observa Boschi, serão adultos incapazes de responder até a um bom-dia no elevador.

Os matadores de Alex e Ronei agiam como gangues e exaltavam suas destrezas em lutas. Alguém poderá estudar a relação entre o individualismo e a grosseria de quem nega um bom-dia e ataca a vítima apenas para matar e concluir que nada tem conexão com nada.

E estaremos daqui a 30 anos tratando das mesmas culpas que nos confortam, porque seriam da polícia, dos promotores, das leis, dos juízes e dos filhos dos outros.

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