29 de agosto de 2015 | N° 18278
DAVID COIMBRA
Cuidado com os Ubers
Sou usuário do Uber, aqui em Boston. Hesitei ao fazer essa confissão. Temo que, ao chegar ao Brasil, seja espancado por taxistas em fúria. Justo eu, tão amigo dos taxistas.
Duvida? Pergunte ao Mauro, do Taxitramas. Ao Jeferson, do aeroporto. Ao Luiz Carlos, da Azenha.
Já escrevi muito sobre taxistas. Até os 40 anos, só andava de táxi. Não tinha carro. Lembro de uma vez em que entrei num táxi no ponto da Botafogo e senti um cheiro estranho. Fiquei farejando o ar. Era um odor poderoso. Denso. Que se sentia na boca e provocava certa náusea.
– O que há com teu carro? – perguntei ao motorista.
– Não é o carro – ele respondeu. – Sou eu – e abriu a boca e mostrou a língua vermelha, onde duas elipses brancas dançavam em bolhas de saliva. – Mastigo alho todos os dias – ajuntou, com orgulho, e explicou: – Pra evitar gripe.
Ao fim da angustiante corrida, tive de ser sincero: – Não leva a mal, mas é melhor ficar gripado.
Outro taxista que conheci, bom sujeito, certo dia, ao me acomodar no banco do carona de seu carro, a primeira coisa que ele disse, antes mesmo de me cumprimentar ou de perguntar para onde queria ir, foi: – Minha mulher me traiu.
Aquela informação desferida assim de inopino, feroz e veloz feito um tapa, me deixou perplexo. O que dizer para um homem que lhe atira um peso desses no colo? Durante todo o trajeto, ele descreveu os pormenores do caso. Tratava-se de um clássico: ele a flagrou se refocilando na cama com um amigo.
De alguma forma, aquilo me comoveu: afinal, o taxista confiara em mim. Só que, no dia seguinte, um colega veio contar:
– Sabe que hoje entrei num táxi e o motorista saiu me dizendo que é corno?
Seria o meu corno? Era. Nos dias subsequentes, várias pessoas me relataram que elas também serviram como confessoras do taxista traído, o que me deixou um pouco decepcionado com minha capacidade de despertar confiança nas pessoas.
Mas essas são apenas histórias curiosas. O que importa é que sou amigo dos taxistas, e já fui salvo por alguns deles. É uma categoria que aprecio. Quando me valho do serviço do Uber, e o faço com frequência, não é por desgostar dos taxistas. É porque a corrida em geral é mais barata, porque os carros são melhores e, o que mais me interessa, quando chamo um motorista, ele chega antes que eu possa dizer Cucamonga.
Além do Uber, existe outro serviço semelhante por aqui, o Lyft. O nome da empresa é uma brincadeira com um dos termos em inglês para “carona”: lift. Sem ipsilone.
Essa história de economia compartilhada está se espraiando devido às facilidades da internet. Por exemplo: em algumas cidades americanas, cozinheiros amadores anunciam, por meio de sites, que vão preparar um jantar. Os candidatos a comensais conferem o horário, o preço e o cardápio. Se gostarem, se inscrevem. O jantar é servido na casa do cozinheiro. É o Uber dos restaurantes.
Nós, jornalistas, também temos nossos Ubers. Algumas lideranças da categoria lutam para que o diploma universitário seja obrigatório para o exercício da profissão. Perda de tempo. A sua faxineira, se quiser, faz agora mesmo um jornal na internet. Para isso, só precisa de um celular e de um laptop. Ou, pensando bem, só de um celular.
Não há como refrear o movimento natural das pessoas de ganhar a vida fazendo o que querem ou o que gostam de fazer. Teremos todos de nos adaptar. Os Ubers vêm aí.
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