segunda-feira, 31 de agosto de 2015



31 de agosto de 2015 | N° 18280 
L. F. VERISSIMO

Insensatez


O mais impressionante no assassinato da repórter e do câmera nos Estados Unidos é que, entre seu crime e sua captura e suicídio, o criminoso teve tempo de botar na internet o vídeo que ele mesmo fez do atentado e emitir um “twitter” e mandar um fax justificando seu ato. O assassino escreveu que Jeová mandou ele matar os ex-colegas, mas o que ele fez não foi em obediência a nenhum deus tradicional, foi uma oferenda à divindade moderna da comunicação global. 

O que ele conseguiu, acionando os vários meios ao seu dispor para transmitir seu feito enquanto era perseguido pela polícia – o vídeo gravado pela sua própria câmera e todos os recursos da internet para propagá-lo, além do recurso obsoleto do fax –, foi uma façanha tecnológica. E ele podia contar com a neutralidade moral da internet para absolvê-lo. Na internet, o psicopata convive com o santo, o imbecil com o gênio e ninguém é culpado. A única condição que a internet não admite nos seus frequentadores é o remorso.

Como acontece depois de todos os atentados à bala nos Estados Unidos, volta à discussão o controle do comércio de armas no país, onde qualquer maluco pode entrar numa loja e comprar uma bazuca. E, como também sempre acontece, o poderoso lobby da bala derrotará qualquer iniciativa nesse sentido. Em alguns Estados americanos, há regulamentos para a venda de armas. 

Pedem atestados de que você não é maluco nem sairá da loja já atirando em transeuntes, ou estabelecem um período de franquia em que investigam seu passado para saber se você usará sua metralhadora com responsabilidade. Mas, mesmo nos Estados em que há regras para dificultar a venda de armas, há maneiras de contorná-las, como exposições da indústria bélica em que a venda é livre.

A American Rifle Association (ARA), cujo lobby é o mais atuante e rico de Washington, tem conseguido evitar que o Congresso americano aprove qualquer lei para tentar impedir as chacinas. Como na bancada da bala no Congresso brasileiro, mas em escala maior e mais insensata, o acúmulo de horrores como o da última semana não emociona ninguém. 

A ARA tenta racionalizar sua posição com frases do tipo “armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”, ao que a resposta óbvia – que também não emociona ao ponto de acabarem com a insensatez – é “pessoas não matam pessoas, pessoas armadas matam pessoas”. Mas há poucas possibilidades de o bom senso finalmente derrotar a ARA. Talvez no próximo horror.

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