terça-feira, 25 de agosto de 2015


25 de agosto de 2015 | N° 18273 
DAVID COIMBRA

Os Coutos


Tenho um amigo jornalista que fazia o jornal da família dele. Mais ou menos de 15 em 15 dias, lançava uma edição. Era uma família de nome bem brasileiro. Couto, digamos. Os Coutos, o nome da publicação. Ele imprimia numa gráfica da cidade e distribuía para amigos e parentes. Felizmente, eu era um dos assinantes.

Gostava muito de receber Os Coutos. Meu exemplar era entregue na redação em que trabalhava. Corria, então, a me municiar de café quente e, quiçá, alguma bolachinha, me aboletava na poltrona mais confortável e me inteirava sobre o que havia se passado com a família nas duas últimas semanas. Claro que as manchetes em geral versavam sobre seu núcleo familiar: a mulher, os filhos. Mas havia muitos Coutos espalhados pelo planeta que mereciam reportagens interessantes. 

Um primo-irmão que vivia no norte da Itália, onde era próspero funcionário de uma fábrica de carros; uma tia de São Paulo que andava meio adoentada desde o começo do ano. De repente, um Couto morria e ganhava um belo obituário. A descrição de suas realizações comezinhas me deixava enternecido. Aquele Couto adorava jogar escova. Uma vez, foi vice-campeão de escova num animado torneio disputado em Urussanga. Tinha um pintassilgo chamado Bicudo e um cachorro chamado Capitão. Amava-os mais do que tudo. E agora faleceu, aquele bom Couto. O que será feito de Bicudo? O que será feito de Capitão? Essas questões me inquietavam por alguns segundos.

Os Coutos eram dados a viagens pelo interior do Brasil. Ler sobre suas aventuras em estâncias de águas termais me dava uma lassidão, uma preguiça, que era como se eu mesmo estivesse mergulhado naquelas piscinas mornas. E as comidas que os Coutos saboreavam! Densas feijoadas, alegres churrascos, e volta e meia uma avó vinha com um pudim de leite condensado que me fazia sorrir, só de olhar a foto.

Lendo Os Coutos, acompanhei o crescimento das crianças, seus sucessos escolares, seus eventuais acidentes domésticos, como a vez em que a pequeninha engoliu uma tampa de certa garrafa posta ao alcance de seu curto braço, no balcão da cozinha.

A periodicidade de Os Coutos não era infalível. Às vezes, uma edição demorava três semanas para ser finalizada, às vezes um mês, às vezes dois números eram apartados por apenas três dias. Talvez seja por isso que não dei por falta de Os Coutos quando meu amigo passou grande tempo sem distribuir uma edição. Passaram-se, sei lá, uns três meses, até que um dia perguntei para mim mesmo:

– E Os Coutos, que nunca mais vi?

Pouco tempo depois, descobri que meu amigo havia se separado da mulher. Fiquei chocado. Para mim, aquele casal era uma coisa só. O casal era um indivíduo, e a família, os Coutos, uma entidade. E é assim: uma família desfeita é uma história que deixa de ser contada, um jornal com edição interrompida, um filme visto pela metade. 

As redes sociais, vulgares esfoliadores das cascas das intimidades, as redes sociais não são nada, perto do que foi o jornal dos Coutos. Toda família devia ter um jornal. Todo casal, até. Para que, ainda que se findasse o amor, ficasse imortalizado em papel. Tempo de fausto aquele, Coutos. Não volta mais.

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