sábado, 15 de agosto de 2015



15 de agosto de 2015 | N° 18262 
PALAVRA DE MÉDICO
J.J. CAMARGO

ESSA SENHORA, A VELHICE


Melhor idade? antes de revisar o conceito, pense bem sobre as vantagens


Ninguém sabe quem definiu a velhice como a melhor idade, mas este tipo devia estar falando em nome dos laboratórios farmacêuticos ou do sindicato dos cuidadores. Por conta do quê a balela se propagou eu não tenho ideia, já que não se atribui essa pérola a nenhum pensador conhecido.


Como parece improvável que o autor tenha pretendido apenas tirar um sarro com a legião de avós distraídos, talvez devêssemos começar a revisar o conceito de “melhor”, porque, quem sabe, não estejamos falando da mesma coisa e aí não vamos nos entender nunca.

Convidado a debater sobre qualidade de vida para uma sociedade de velhos ativos e inteligentes, percebi que era inevitável falar de velhice e que descobrir vantagens desta condição era o primeiro passo para conquistá-los.

A duras penas encontrei duas: o velhinho pode fazer uma grande festa no seu apartamento e os vizinhos nem ficam sabendo, e se houver um sequestro, ele estará entre os primeiros a serem libertados.

Dias depois, um velhinho genial me ofertou uma terceira e insuspeitada vantagem: os jovens, por aparente ingenuidade, tendem a oferecer aos velhos uma margem de tolerância mais generosa, atribuindo à senilidade alguns disparates, sem perceber que ninguém fica senil de uma hora para outra, e que talvez aquela opinião destemperada possa ser apenas o extravasamento de um sentimento antigo e que, agora, o vô resolveu desopilar. A dificuldade de contestar o velho dará a ele todo o benefício de se prevalecer e refestelar.

Depois, vieram outras benesses como, por exemplo, não serem obrigados a votar em candidatos ruins, ter vagas para estacionar mais perto do destino, filas preferenciais (que pouco funcionam em serviços públicos), meia entrada, essas coisas que confortam mais que compensam.

Um velhinho de muito boa memória lembrava até de uma época em que as pessoas mais moças seguravam as portas para a passagem dos idosos. Verdade que poucos integrantes da rodinha tinham lembrança dessas gentilezas extravagantes.

O Hilário, com mais de 90 anos, confessou-me, chateado, que ao perguntar ao seu oftalmologista por que nunca mais mudara de óculos, ouvira uma explicação inesperada: “Os seus olhos não conseguem piorar mais, então sossegue com estes seus óculos que estão ótimos!”.

O professor Tarantino, então com 97 anos, contribuiu para o tema com um comentário irônico e bem-humorado: confessou que aprendera a reconhecer seus contemporâneos pelo entusiasmo com que eles contavam do tamanho do prejuízo que tinham dado nos seus planos de saúde. Quanto mais vingativos, mais velhos!

O Alberico, que sempre se definiu como um anarquista levemente organizado, é meu paciente desde quando o operei no fim dos anos 1980. Nunca marca hora e tem de ser atendido de qualquer jeito, se não, como diferenciar os amigos?!

Tendo me surpreendido a escrever esta crônica, Alberico resolveu participar e argumentou que, em troca daquele atendimento não programado, ia me presentear com duas descobertas que fizera recentemente:

> A maneira mais infalível de um homem saber que envelheceu é quando ele descobre que não tem o menor interesse em saber aonde sua mulher vai, desde que ele não tenha de ir junto.

> Uma grande vantagem da velhice é poder contar todos os segredos aos seus amigos, porque eles esquecem!

Dito isso, apanhou a receita, girou nos calcanhares e partiu sem pagar a consulta.

Os anarquistas não usam as moedas convencionais.

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