Entrelacos

18 de agosto de 2015 | N° 18265 

DAVID COIMBRA

Os ipês enganados

Fiquei sabendo que os ipês-roxos de Porto Alegre foram enganados pelo calor inesperado de agosto e que, por essa razão, estão florescendo antes do tempo.

Considero grave isso.

Como pode um ipê-roxo se enganar? Um ipê-roxo, o que ele faz na vida é, exatamente, ficar roxo na primavera. É muito bonito. E é justamente essa a intenção do ipê. As plantas se enfeitam na primavera para atrair as abelhas, que colhem o néctar das flores e, em troca, carregam em suas patinhas o pólen, que irão levar até outras flores a fim de fecundá-las.

É assim que as plantas fazem sexo.

A lógica é a mesma em toda a natureza. O rabo do pavão, a juba do leão e a minissaia da mulher servem para atrair o sexo oposto. Simples e seminal. Alguma chata pode correr ao Facebook para argumentar que o ser humano é mais complexo, que ao usar uma minissaia uma mulher na verdade exercita a sua condição de... Tudo balela. Complexa de verdade é a vida sexual das plantas: elas precisam fazer ménage à trois não só com seres de outras espécies, mas também com indivíduos de reinos diferentes. Dois vegetais com um animal. Uma loucura.

Mas agora, com o caso dos ipês enganados, como ficará a vida sexual deles? As abelhas se deixarão seduzir por flores fora de época? Haverá abelhas para serem seduzidas? Não significará, esse súbito assanhamento dos ipês, num momento em que eles deviam guardar o recato próprio dos invernos, com seus dias sombrios e suas noites longas, não significará essa audácia vegetal um descontrole animal? Não teremos, talvez, filhos de ipês em excesso ou em falta no ano que vem, em Porto Alegre?

Não sei se nosso futuro será florido ou se será árido, mas fico assustado com o presente em que até os ipês são enganados.

Temer, a raposa quieta

Em 2010, Zero Hora enviou a mim e ao Moisés Mendes a São Paulo para entrevistarmos os candidatos a vice-presidente da República. O Moisés entrevistou Indio da Costa, vice de Serra. Entrevistei Michel Temer, vice de Dilma.

Lembro-me de ter voltado de lá convencido da matreirice política de Temer, e disse isso ao Moisés. Temer era um contraponto a Dilma, quase que seu oposto. Porque Dilma não tem nenhuma experiência parlamentar, não conhece o funcionamento do Congresso, não está acostumada a negociar, não sabe se expressar e tende mais a explosões do que a sussurros. 

Não é boa política, enfim. O que é gravíssimo, porque o cargo de presidente da República não é técnico: é político. Pensei: essa raposa quieta que é o Temer vai acabar mandando no governo sem que ninguém perceba.

E Temer decerto exerce mais influência do que qualquer outro vice. Só que, em vez de mandar, é possível que ele esteja salvando o governo. É Temer o autor dessa costura com o PMDB e o grande empresariado nacional para sustentar e viabilizar o mandato de Dilma até o fim.

Ontem, em entrevista ao Timeline, Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, ressaltou umas três ou quatro vezes os apoios da Fiesp e do Bradesco à presidente. Ele tem razão. O grande capital está com Dilma, e isso é fundamental. Graças aos sussurros eloquentes e aos suaves ardis de Temer.