17 de agosto de 2015 | N° 18264
L. F. VERISSIMO
Cachimbo
Descobriram traços do que pode ser maconha em cachimbos que Shakespeare talvez fumasse. Não é certo que consumissem maconha na Inglaterra elizabetana – parece que a preferência era pelo ópio – e não há como provar que os cachimbos eram mesmo do Shakespeare, mas só a possibilidade disto ser verdade já é instigante.
– Anne, meu cachimbo. – William, você sabe o que aconteceu da última vez...
– Meu cachimbo, mulher!
– Lembra da peça que você escreveu fumando o cachimbo sem parar e mandaram de volta, porque ninguém entendeu nada? Disseram que era irreal...
– Bobagem. Mandei a peça outra vez, só mudando o título para “Sonho de uma noite de verão”, e todo mundo adorou. Onde está o meu cachimbo?
– Escondi! E a erva maldita também. Não quero ver você destruindo seu talento desse jeito, escrevendo coisas sem nexo, malucas. Sua última peça, “A tempestade”, é claramente o produto de uma mente destorcida pelo vício. Pare enquanto é tempo, William!
– Iniquidade, teu nome é mulher!
– Eu sei que você vai querer se vingar de mim, como já fez no passado, maltratando suas personagens femininas. Ofélia, levada ao suicídio. A pobrezinha da Desdêmona, morta por injúria. Os críticos viam na sua misoginia apenas um aspecto do seu gênio. Eu sabia que era contra mim. Você me matava, matando, sadicamente, suas personagens. Mas não me importo. Vou salvá-lo de qualquer jeito.
– Meu cachimbo! – Não.
– Estão esperando minha peça nova. Não posso escrevê-la sem a ajuda do cachimbo. Só mais esta, Anne!
– Não-o. – Meu reino por um cachimbo!
– Não seja tão dramático, Will.
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