05 de agosto de 2015 | N° 18248
MOISÉS MENDES
Bravas Virgílias
Sempre que sou atendido por um servidor público, me atrevo a tentar adivinhar quanto ganha e quantas vezes é afrontado por semana. Se fosse escolher um agora, como imagem recente de servidor, eu nem escolheria um do funcionalismo estadual, com salário atrasado e sem saber o que será da suas contas e da sua vida.
Assim, de memória, eu penso logo em uma moça que me atendeu há poucos meses, na agência da Previdência Social da Travessa Mário Cinco Paus, no Centro, atrás da Secretaria de Administração.
Parecia uma namoradeira, dessas de papel machê. Mas não era contemplativa. Era uma negra com brilho na pele, sorridente, lenço colorido na cabeça, brincos para serem notados, batom vermelho. Estava na recepção. Eu buscava um documento, e ela me orientou a ir ao terceiro andar.
Não deu certo e eu voltei à portaria. Ela me ajudou e eu subi de novo. Cinco minutos depois, lá estava ela, ao meu lado. Queria saber se eu estava no lugar certo, não porque me achou caduco, mas porque sentiu que aquele era um cliente atucanado.
Aquela moça (não sei seu nome, mas ainda deve estar por ali) percebeu que eu, não muito paciencioso, poderia voltar à portaria. E foi me dar suporte. Ganhei energia para dois meses. Fui tratado como cliente VIP do Banque Privée Edmond de Rothschild.
Também gostei de ser atendido há pouco por uma moça de cabelo curto no Tudo Fácil da Borges. Ela atenderia dezenas de pessoas naquele dia. Mas estava compenetrada e feliz fazendo seu trabalho.
Às vezes, tenho a tentação de entrar em uma repartição só para esfolar o estigma jogado sobre o servidor, esse de que não atende direito, como se fosse funcionário de estatal ucraniana. Me agrada, por algum dos tantos mistérios da empatia, em especial o desprendimento de um servidor de atendimento ao público, desses de balcão, de cara a cara, sem escudos contra salivas e desaforos no rosto.
Escrevi tudo isso até aqui para dizer que a mais dedicada, a mais suave servidora pública que conheci se chama Virgília de Almeida Mangelôs, diretora do Grupo Escolar Alexandre Lisboa, lá nos anos 60, no Alegrete. Como eu me negava a entrar na aula, ficava ao seu lado, na sala da direção. Só eu e ela. Minha primeira professora.
Acho que vejo, em cada servidor, as virtudes da professora Virgília. Assim, de repente, pensei nela e em todas as professoras Virgílias destes tempos de incertezas, penúrias e bravuras.
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