04 de agosto de 2015 | N° 18247
DAVID COIMBRA
O mais triste dos homens
Histórias felizes são histórias banais. Se toda a sua vida for azul e cor-de-rosa, se tudo sempre der certo para você, não há dúvida de que você terá uma existência bem-aventurada, mas também não há dúvida de que ela será sem graça.
Por exemplo: Tibério. Esse homem tinha tudo para viver uma vida insignificante e feliz. Tornou-se infeliz, e é por isso que pessoas escrevem sobre ele ainda hoje, mesmo que tenha deixado de respirar há 2 mil anos.
Tibério foi o homem mais poderoso do seu tempo. Foi o segundo imperador de Roma, senhor de quase todo o mundo conhecido na época pelo Ocidente. Antes disso, foi o que queria ser: um marido que amava profundamente sua esposa e era em igual medida amado por ela. Melhor ainda: Vipsânia, esse o nome da esposa, estava grávida. Eles formariam uma família.
Porém, ah, porém, o imperador Augusto tinha outros planos para ele. O imperador queria torná-lo seu sucessor e, para isso, era importante que Tibério se casasse com sua filha, Júlia.
O projeto seria perfeito se não fosse por um detalhe: Tibério não queria se casar com Júlia e não queria ser imperador. Queria, apenas, viver sua vidinha com Vipsânia, criar seus filhos, beber seu vinho, comer seu prato preferido, que era tripas de pomba com mel, e ser esquecido pelo mundo. Mas essa não era uma opção para um romano daquela época. Augusto mandou, e Tibério teve de se divorciar de Vipsânia. Quando ela foi informada de que seria obrigada a se separar do amado, ficou tão chocada, que abortou.
Tibério, segundo o historiador Plínio “o Velho”, transformou-se, então, em “tristissimus hominum”, ou “o mais triste dos homens”. Ele jamais esqueceu a esposa. Um dia, vendo-a nas ruas de Roma, seguiu-a chorando, para comoção dos transeuntes.
Sua nova esposa, Júlia, nada fez para aplacar essa dor. Ao contrário: Júlia o desprezava e o traía sistematicamente. A dor de amor causou uma terrível metamorfose em Tibério: ele se tornou um monstro.
Depois da morte de Augusto, Tibério assumiu o trono, mudou-se para Capri e fez do seu palácio um antro de perversão. Escolhia meninos e meninas mal ingressados na adolescência para promover orgias tão criativas, que, se as descrevesse agora, você enrubesceria e interromperia a leitura. Até nenês de colo eram arrancados dos pais para satisfazer o apetite cada vez mais doentio do imperador. Sua paranoia crescia em idêntica proporção à voracidade sexual.
Tibério passou a ver conspiradores por toda parte. Todos os dias alguém era acusado de traição. Famílias inteiras eram condenadas, homens, mulheres e crianças. Eram mortos por estrangulamento ou atirados de cima dos famosos Degraus Gemonianos. Quando chegavam ao solo, com os ossos quebrados, tinham seus membros dilacerados pela população sedenta de sangue. Roma virou uma República assassina. Quando Tibério morreu, a população, aliviada, gritava: “Tibério ao Tibre!”.
A vida de Tibério devia ter passado em branco para a posteridade. Ele devia ter sido desconhecido e feliz. O poder fez dele famoso e infame. No Brasil de hoje, 20 séculos depois, nós sabemos: para alguns homens, nada corrói mais o caráter do que o poder.
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