segunda-feira, 3 de agosto de 2015



03 de agosto de 2015 | N° 18246 
L. F. VERISSIMO

A ideia


O diplomata francês Jean Monnet é creditado com a “invenção” do Mercado Comum Europeu, depois da II Guerra Mundial. Mas teve um predecessor famoso: Napoleão Bonaparte, que em 1812, às vésperas de invadir a Rússia com seus 600 mil homens, cheio de planos para o futuro depois de dominar os russos e expandir seu império até a Ásia, revelou que sonhava com uma Europa unida, com leis e um sistema judiciário comuns, os mesmos pesos e medidas – e a mesma moeda. A capital desses Estados Unidos da Europa bonapartistas seria, claro, Paris. 

A invasão da Rússia não foi como Napoleão esperava e suas tropas foram derrotadas, como se sabe, pelo General Inverno, o mesmo que, anos mais tarde, ajudaria a deter o exército de Hitler. O fracasso de 1812 foi o começo da derrocada do império napoleônico, que se completou com o exílio do imperador, e o fim de todos os seus planos, em 1815.

A Europa sonhada por Napoleão seria a primeira experiência de uma união continental depois da queda do império romano. Fora os romanos – cujo “império” foi uma coleção de províncias submissas, nada como um Estado múltiplo –, o que Napoleão imaginava não tinha precedentes. 

Era uma ideia sem base e sem modelo. Já a ideia de um Estado europeu proposto por Monnet e os outros arquitetos do Mercado Comum surgiu numa Europa cujas elites, em grande parte, se pareciam e compartilhavam a mesma cultura e os mesmos hábitos. Tinham até, em comum, o francês, a língua da diplomacia e, como sabe qualquer leitor dos russos de Tolstoi a Nabokov, a língua que os aristocratas falavam para não serem entendidos pelos servos.

Para também facilitar o sucesso da nova união, houve a II Grande Guerra e suas consequências. A guerra foi um exemplo do que precisaria ser evitado no futuro e a reconstrução da Europa depois dos estragos da guerra um exemplo da necessidade de um esforço conjunto que superasse fronteiras nacionais. 

O Plano Marshall, que ajudou na reconstrução da Europa, pode não ter sido uma pura amostra de altruísmo americano – seu objetivo maior foi assegurar para os Estados Unidos, que saíram da guerra como a maior potência industrial do mundo, um mercado europeu para a sua produção – mas também foi um exemplo inspirador de cooperação transnacional.

Mas nem Napoleão Bonaparte nem Monnet e os outros visionários poderiam imaginar que suas ideias seriam sequestradas pelo capital financeiro e a sonhada comunidade europeia acabasse numa desunião entre credores e devedores, um império de paróquias defendendo seus respectivos banqueiros, com a capital, claro, em Berlim. A ideia não era essa.

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