sábado, 1 de agosto de 2015



01 de agosto de 2015 | N° 18244 PALAVRA DE MÉDICO
J.J. CAMARGO

PÉROLAS PORTUGUESAS


As rusgas que os patrícios adoram fomentar na defesa da língua portuguesa


Passar uns dias em Lisboa é sempre uma maravilha. A cidade é linda, a mistura do novo e do decadente tem uma harmonia que comove, os resíduos da imponência histórica são impactantes, a culinária é original, o povo é afável e sempre se renova a promessa de voltar, não importa quantas vezes o ritual tenha se repetido.

Quando se está em companhia de outros brasileiros, é inevitável que se passe a limpo as últimas rusgas que os patrícios adoram fomentar na defesa intransigente da língua portuguesa, um embate ainda mais hilário se aliado à inabalável lógica lusitana.

Na noite de Lisboa, à espera do jantar, jorraram histórias maravilhosas:

O cirurgião paulista toma um táxi no aeroporto:

– Para onde vamos? – Vila Galé.

– Desculpe, mas aqui em Lisboa tem várias, qual o endereço?

– Não tenho o endereço.

– Como vou levar-te a um sítio se nem sabes onde é?

– Fica perto do Centro de Convenções.

– Nunca ouvi falar!

– O senhor não sabe onde é o Centro de Convenções em Lisboa? Não acredito!

– Nunca ouvi falar! – Bom, fica junto da ponte 25 de Abril!

– Bom, essa toca eu conheço, então vamos para lá. Pode ser que achemos!

Quando se aproximam, se vê o prédio enorme com letreiro gigante: Centro de Congressos de Lisboa.

– O senhor está vendo? Este é o Centro de Convenções que eu falei!

– Raios, o senhor tinha que ter falado Centro de Congressos, porque convenção, para nós, é um acordo que se pode fazer entre duas pessoas, e eu não saberia nunca do que estavas a falar. Pois!

Esposa de conferencista brasileiro acorda desconfortável com a altura excessiva do travesseiro. 1397124194O marido solícito liga para a mucama e pede a troca por um travesseiro mais baixo. Cinco minutos depois, a portuguesa está à porta com a encomenda. O marido recebe o travesseiro, agradece, e se prepara para fechar a porta, mas ela continua imóvel.

– Desculpe, alguma coisa errada?

– Não exatamente errada mas, para se completar a operação, o senhor deve me devolver o outro travesseiro porque, afinal, foi solicitada uma troca, pois não?

Final da sessão da manhã, congresso no topo de um edifício de 20 andares, saguão cheio, todos loucos para descer, e abre-se a porta do elevador gigante. O médico brasileiro, no piloto automático, pergunta:

– Desce? O velhinho ascensorista, irritado com a estupidez da questão, responde calmamente:

– Este elevador só não faz movimentos rotatórios e para os lados. Tanto sobe quanto desce e no momento estamos parados!

Uma pergunta que ficou: quanto tempo dura um passeio de 20 andares com o elevador cheio de gente se divertindo às custas de um infeliz distraído?

Voo da TAP, classe executiva, casal sofisticado, mulher loira e afetada. Aproxima-se o chefe dos comissários e pergunta:

– Boa noite. Gostariam de jantar?

A mulher põe os cílios postiços a vibrar e devolve a pergunta:

– Quais são as opções? E a lógica portuguesa, que estabelece uma coisa de cada vez, prevaleceu:

– Sim e não! Casal de brasileiros, em viagem de carro pela Europa, na era pré-GPS, se atrapalha num trevo na zona de Viseu e pergunta a um velhinho que passava:

– Por favor, meu senhor, esta estrada vai pra Espanha?

– Melhor que não vá, faria muita falta aqui!

Brasileiro, na classe executiva da TAP, acorda lá pelas 3h da madrugada com vontade de ir ao banheiro. Quando surpreende uma fila de quatro necessitados, resolve recorrer àquele banheiro que, em geral, existe entre as classes executiva e econômica. Quando se aproxima da zona presumida, percebe que vem um baixinho da área econômica, com aparente mesma intenção. É bruscamente interceptado pelo comissário, que o repreende:

– Econômica? Lá no fundo, lá no fundo!

O gajo, constrangido, se retira e, então, o comissário gentilmente orienta o brasileiro:

– Quanto ao senhor, isto aqui é um armário, não se trata de um banheiro, podes voltar pro seu lugar!

Há alguns anos, eu tinha sido convidado para uma conferência em Coimbra e fui apanhado por um grupo de cirurgiões no aeroporto de Lisboa para a viagem de carro. Na saída, passamos por uma placa que anunciava: Perdidos e Achados. Ignorando uma das melhores oportunidades de calar a boca, comentei:

– Engraçado, no Brasil, nós dizemos Achados e Perdidos.

E, então, o mico que podia ter sido evitado:

– Aqui estamos acostumados a perder antes de achar!

Bem feito.

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