01
de maio de 2012 | N° 17056
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Enterrado vivo
A
tomografia computadorizada é um ensaio do velório.
Quem
já fez o teste concordará comigo. Oferece uma experiência singular de impotência.
Quando
deitei na cama branca do aparelho, eu me vi desamparado, me vi inferiorizado,
me vi vulnerável, deparei com minha fragilidade em sua pureza mais remota. Uma
sensação anterior à infância. Talvez adquirida no útero materno.
Eu
era um mosquito sendo apanhado por duas mãos, mas ainda não esmagado. Um
mosquito preso em seu último voo. Abafado pelos dedos de Deus.
Então,
sou isso? Esse conjunto quebradiço de carne e osso que não tem noção do que há por
dentro e que segue desinformado do próprio corpo?
Isso?
Essa coisa almada?
Busquei
espantar a tristeza aparente, mas o lugar não permitia conversas. As palavras não
foram autorizadas a entrar comigo.
Passaria
pelo túnel tempo suficiente para descobrir que sou finito.
O
auxiliar pediu que cruzasse os braços no peito enquanto a máquina reproduziria
meu cérebro.
A
impressão é de que repousava em meu caixão e ia sendo levado pelos amigos. Ouvia
nitidamente as argolas de prata batendo no casco da madeira.
Não
estava nu, quem dera, vivia a pior nudez, a da camisola do hospital, fina e
intrusa como uma casca de ovo.
Aquela
cena rascunhou minha morte.
É uma
solidão sem família. É aterrorizante realizar o exame de tomografia pela
monotonia fúnebre. Pela ausência absoluta de sentido.
Obedecer
é o que me resta, sou fantoche do desespero, perfumado à toa, sem mais uso de
minha mulher:
– Mais
de lado, para esquerda, olhando para cima –, o técnico orientava e eu
prontamente atendia suas ordens.
Nem
precisa de memória, de imaginação, para se enquadrar nos gestos e nas talas. Assumo
uma passividade monstruosa, onde não discuto nada com medo de provocar o pior.
Deitar
e esperar, com as mãos firmes e tensas algemadas no tórax. Breves minutos que
reprisam as contradições da vida, as incertezas, os engasgos da dor, se fui bom
ou ruim, se serei lembrado com vigor ou sofrerei o descaso natural dos parentes.
Mergulhar
com a cabeça no interior do tubo, como quem ingressa na sepultura. Como quem
abre um lugar na parede do São Miguel e Almas.
Com
o início do exame, escutar o barulho do cimento, da pazinha, fechando nossa
comunicação com o mundo. O zumbido de mosquito finalmente pego.
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