terça-feira, 29 de maio de 2012


CARLOS HEITOR CONY

O túmulo e o sanduíche

RIO DE JANEIRO - Uma semana em Nova York e paguei dois tributos de visitante classe média: um bom espetáculo na Broadway, com "Porgy and Bess", montado por um extraordinário elenco negro, a música de Gershwin sendo ainda a melhor trilha musical para a cidade; e uma comprida visita às obras do Marco Zero, onde está sendo finalizado o memorial das 2.983 vítimas do atentado de 11 de setembro que derrubou as duas torres do World Trade Center.

Sobre o musical de Gershwin escreverei mais tarde, no caderno "Ilustrada". Valeu a pena, em todos os sentidos, como espetáculo em si e como obra de arte.

Quanto ao memorial, minha reação foi estranha. Apreciei o esforço da cidade em erguer um espaço monumental tecnicamente perfeito, aproveitando inclusive a oportunidade de melhorar urbanisticamente aquele confuso trecho do sul de Manhattan.

Já visitei, mundo afora, alguns locais históricos, as esplanadas de Hiroshima e Nagasaki, as ruínas de Massada, só não vou me meter a besta para ver os destroços que ainda restam do "Titanic" no fundo do mar.

O memorial do Marco Zero será sem dúvida uma façanha, cheia de boas intenções e algumas soluções estéticas apreciáveis. Mas há alguma coisa de sinistro naquele local, sobretudo quanto ao aspecto comercial do empreendimento. Em Hiroshima e Nagasaki e em Massada, sobretudo, a emoção fica por conta das tragédias que ali aconteceram.

No memorial do 11 de Setembro está sendo criado um grande e assombroso shopping. Na visita que fiz, havia uma senhora lendo para quem quisesse ouvir, o seu protesto de mãe e cidadã: "Aqui está enterrado meu filho único, cujo corpo nunca foi encontrado. Será doloroso para mim saber que muitos jovens virão comer sanduíches do McDonald's em cima do túmulo dele".

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