sábado, 19 de maio de 2012



20 de maio de 2012 | N° 17075
CAPA

Simplesmente não combina

Mulheres de 50 anos desafiam as estatísticas e rejeitam a categoria “idosas”, na qual ingressam ao completar 60 anos.

E stá na Constituição brasileira e nos estatutos da Organização Mundial da Saúde: ao completar 60 anos, a pessoa passa de adulto a idoso. Para fins estatísticos, dos 50 aos 60 anos vive-se a fase pré-idosa. São os envelhescentes, termo que não está no dicionário, mas aparece em sites, cartilhas do Ministério da Saúde, crônicas, teses acadêmicas, consultórios de geriatras e terapeutas.

É um neologismo. Paradoxalmente, um neologismo velho: faz 19 anos que o escritor Mário Prata escreveu uma crônica intitulada Você é um Envelhescente?. Ele se considera o pai da palavra?

– Não sei, me ocorreu misturar as palavras adolescente e velho, e saiu envelhescente.

Reproduzida em incontáveis sites e blogs, a crônica explica: “Engana-se quem acha que o homem maduro fica velho de repente, assim da noite para o dia. Não. Antes, a envelhescência” (leia trecho ao lado).

Na época em que o texto foi publicado, o escritor tinha 47 anos. Agora, aos 66, ele brinca:

– Estou atualizando a envelhescência para além dos 70 anos.

É unânime: com o estilo de vida atual, pessoas de 50 anos não se sentem na véspera da velhice. Simplesmente não combina.

– Estamos em um processo de redesenho da vida – observa a geriatra Maria Cristina Berleze. – Não há um marco biológico efetivo da velhice.

Há, porém, marcos sociais – que mudam de país para país. Os critérios estabelecidos pela ONU situam a passagem à velhice cinco anos além do parâmetro brasileiro: a faixa dos idosos começa aos 65 anos.

A palavra idosos ganhou, pela inteligência de Luis Fernando Verissimo, um antônimo inesperado: ficosos. Idosos vão, ficosos ficam (leia trecho da crônica na página 11).

A rigor, porém, não existem ficosos. Todos seguem. E se a expectativa de vida fixada para os brasileiros é de 73,5 anos, então, o que vem depois – para os idosos, os que vão adiante? Se entram nos 80: a quarta idade. Se vencem os cem: a quinta idade.

A ideia de chegar aos cem anos é cada vez mais viável biologicamente. As projeções demográficas assumem que, em 40 anos, os idosos representarão 25% da população mundial.

– É preciso preparar o mundo para conviver com pessoas cada vez mais longevas graças ao envelhecimento ativo – pondera Maria Cristina.

A psicóloga Rosa Helena Schuch, 55 anos, será classificada como idosa dentro de cinco anos. A consultora Dulce Ribeiro, 57, dentro de três anos. Rosa e Dulce representam milhares de mulheres serenas, felizes, dinâmicas, criativas e livres na faixa dos 50 anos.

Vitalidade, energia física, maturidade emocional e planos de futuro desafiam a pesada (e feia) palavra “sexagenária”. São mulheres sem o menor constrangimento diante dos aniversários, sem medo da mudança dos 50 para os 60, para os 70 e adiante.

– Mais de dois terços das obras-primas da humanidade que resistiram ao tempo foram criadas por pessoas acima dos 60 anos – lembra Dulce.

Diante de todas estas constatações de que as leis da vida superam as leis oficiais, qual mulher de 50 anos cogitará estacionar na vaga de idosos?

Mário Prata, 66 anos (47 na época da publicação da crônica)

Sempre me disseram que a vida do homem se dividia em quatro partes: infância, adolescência, maturidade e velhice. Quase correto. Esqueceram de nos dizer que entre a maturidade e a velhice existe a ENVELHESCÊNCIA. (...) Engana-se quem acha que o homem maduro fica velho de repente, assim da noite para o dia. Não. Antes, a envelhescência. (...) Daqui a alguns anos, quando insistirmos em não sair da envelhescência para entrar na velhice, dirão:

– É um eterno envelhescente!

Que bom.

SANDRA SIMON

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