quarta-feira, 16 de maio de 2012



16 de maio de 2012 | N° 17071
MARTHA MEDEIROS

A TV e o teatro

Na semana que passou, vivi duas experiências que nada têm a ver uma com a outra, mas mesmo assim correlacionei. Uma foi a visita que fiz ao Projac, o centro de produções da TV Globo, no Rio. Mais de 8 mil pessoas trabalham nessa indústria do entretenimento, que os funcionários chamam carinhosamente de fábrica de sonhos, mas que eu chamaria de fábrica de ilusões – parece a mesma coisa, mas há uma sutil diferença.

Fiquei bem impressionada com o realismo das cidades cenográficas, com destaque para o lixão de Avenida Brasil e a rua de Copacabana onde se passa a série Tapas e Beijos – não sei se Deus está nos detalhes, mas Roberto Marinho está. Um trabalho absolutamente preciso, caprichado. Parece mesmo que você está num lixão, que está mesmo em Copacabana, quase se perde o ceticismo. Quase.

Ao chegar perto da entrada da casa do Big Brother, senti o impacto. Nenhum livro sobre semiótica, nenhum discurso sobre as emoções pré-fabricadas vendidas pela TV me deram tanta consciência: adentrar os bastidores – qualquer bastidor – é um choque de realidade às avessas. Impressiona e é triste ao mesmo tempo.

A outra experiência: a peça Adeus à Carne, de Michel Melamed. Uma ópera contemporânea praticamente sem texto – ousadia nesses tempos em que esbanjamos palavras. O recado é dado através da sonoplastia e da expressão corporal.

O fio condutor da obra é o Carnaval, e é com alegorias totalmente nonsense que Melamed põe pra desfilar no palco a proximidade que existe entre nascimento e morte, nossas competições absurdas, nossa frágil expressividade verbal, a dor e o prazer que brotam da mesma fonte, o amor que mais afasta do que aproxima – isso se eu pesquei alguma coisa. O que mais se ouvia no final do espetáculo era: “Não entendi nada, mas adorei”.

Na peça, o momento que coloca a plateia em alvoroço: os seis integrantes do elenco surgem com as cabeças cobertas por logotipos das emissoras de TV do país, grandes escafandros que não permitem que eles enxerguem. Teletubbies adultos. É engraçadíssimo e perturbador: com a TV enfiada na cabeça, que espécie de crescimento e liberdade podemos almejar?

O Projac é o símbolo da eficiência. Reduto de artistas, e não falo apenas de atores, mas de figurinistas, cenógrafos, marceneiros, iluminadores, técnicos em efeitos especiais. Profissionalismo extremo a serviço da ilusão. É como se eles dissessem: não acredite no que você não vê, acredite apenas no que vai ao ar.

Michel Melamed, por sua vez, é um performático que pretende provocar espanto e inquietação por uma via bem mais subjetiva e onírica. É como se ele dissesse: não acredite no que você vê, acredite apenas no que fica subentendido.

TV e teatro. Aí, talvez esteja a diferença entre fábrica de ilusões e fábrica de sonhos.

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