quarta-feira, 16 de maio de 2012



16 de maio de 2012 | N° 17071
JOSÉ PEDRO GOULART

Engrenagem cósmica

Como entretenimento somente o cinema não me interessa, prefiro o futebol que é ao vivo e ninguém antecipa o final na fila. Dos filmes, espero sustança. Acho chato os filmes em 3D e só vou pela minha filha. Ela, aliás, prefere muito mais brincar do que ir ao cinema. Sinal dos tempos?

Há 30 anos, no tempo em que eu era um pouco mais que um guri, ia-se ao cinema não só por prazer. Achava-se que havia uma espécie de engrenagem cósmica que precisava de todas as peças para funcionar. Eu era uma dessas peças. E essa engrenagem tinha capacidade de mudar as coisas para melhor. Buñuel, Bergman, Godard, Resnais, Glauber. Nem tudo era fácil, e esse é o meu ponto.

Assisti ao 2001 do Kubrick com apenas nove anos, levado pela professora, junto com a minha turma do Grupo Escolar Benjamin Constant, no cinema Astor. Ok, não entendi nada, mas os macacos lutando, as naves espaciais, a música; tudo aquilo ficou impresso, e retido na memória.

No meu último espaço por aqui, eu trouxe a indignação do Fernando Meirelles a respeito do fracasso de público do Xingu, produzido por ele. E agora mesmo, em São Paulo, conversei com o Walter Carvalho, que se disse decepcionado com o andamento em Porto Alegre do filme que fez sobre Raul Seixas – ele me informou que o público não chegou a 4 mil espectadores.

Enquanto isso, o cineasta Peter Greenaway, em palestra recente no Brasil, declarou que o cinema está morto. Pelo menos, esse que se conhece, cheio de regras de roteiro, feito para capturar o público. Nele, diz Greenaway, os atores só sabem transar e morrer.

Putz, que enrosco. O cinema mais sensorial, com finalidade crítica, inquietante, parece cada vez mais improvável. Os exibidores fogem desse tipo de filme como vampiro do sol. Por outro lado, o cinema convencional estaria fadado à morte.

Bom, apesar disso, vou dizer o seguinte. Estou preparando um filme no momento, pretendo filmá-lo no final do ano; nele as pessoas vão transar e morrer, desculpe Greenaway. Esse projeto tem me tomado alguns anos de vida, por isso espero que até lá eu ou o cinema não morramos.

Desejo que a equipe se envolva na realização, leia, instrua-se, imagine, procure saber o que está se tentando. E, afinal, espero que o filme tenha finalidade crítica e inquietude, desculpe exibidor (só não desista, hein?), devo isso aquele menino de nove anos sentado no Astor.

Sobretudo, desejo que o filme fique bom, vou me esforçar para isso. Razão pela qual, apesar de tudo, sonho com casas cheias, recordes de bilheteria, críticas bem conceituadas. Enfim, um sucesso.

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